A parcialidade destrói a Justiça: Lambertz |
por Claudia Wallin
Por
Claudia Wallin, de Estocolmo
“É
extremamente importante que juízes de todas as instâncias, em respeito à
democracia e à ordem jurídica e constitucional, atuem com total imparcialidade.
Caso contrário, não haverá razão para a sociedade confiar nem em seus juízes, e
nem em seus julgamentos”, pontua o juiz sueco Göran Lambertz.
Um
dos 16 integrantes da Suprema Corte da Suécia, Lambertz vê com preocupação a
atual crise no Brasil:
“À
distância, tem sido difícil entender o que é verdadeiro e o que não é
verdadeiro. Mas preciso dizer que me parece, de modo geral, que alguns atores
do processo legal que se desenvolve no Brasil não são totalmente independentes
em relação aos aspectos políticos do caso.”
Um
juiz, especialmente da Suprema Corte, deve ser cauteloso ao manter conversações
com partes interessadas em determinado caso – diz o magistrado.
E
se um juiz sueco agisse de uma forma percebida como não totalmente independente
e imparcial, afirma Lambertz, a Suprema Corte anularia seu julgamento e
determinaria a substituição do magistrado no processo.
“Quando
os representantes da Justiça não são totalmente imparciais, não pode haver
justiça. Em vez de justiça, será feita injustiça”, observa Lambertz.
A
seguir, a íntegra da entrevista concedida em Estocolmo.
Como
o senhor vê a atuação da Justiça brasileira na atual crise, diante das
controvérsias acerca dos procedimentos utilizados nas investigações sobre
denúncias de corrupção e do processo de impeachment contra a presidente da
república?
GÖRAN
LAMBERTZ: Estou um pouco preocupado com o que está ocorrendo no Brasil. À
distância, tem sido difícil entender o que é verdadeiro e o que não é
verdadeiro. É muito importante que a mídia internacional informe os fatos em
toda a sua abrangência, pois não está claro quem está certo, e quem está
errado. Mas preciso dizer que me parece, de modo geral, que alguns atores do
processo legal que se desenvolve no Brasil não são totalmente independentes em
relação aos aspectos políticos do caso. Não quero citar nomes. Mas isso me
preocupa.
Como
a Suécia assegura a imparcialidade do sistema judicial?
GÖRAN
LAMBERTZ: A imparcialidade da Justiça é o núcleo central de todo o sistema. E
protegemos essa imparcialidade proibindo juízes de atuarem em qualquer caso em
que possam ter algum tipo de interesse pessoal. Por exemplo, quando um juiz
possui ações em uma empresa que está sob julgamento, ou quando um juiz tem
relações com alguém envolvido no caso a ser julgado. Temos leis rígidas sobre a
imparcialidade dos juízes em nosso sistema judicial, e executamos essas leis
rigidamente.
Qual
é o papel da Suprema Corte nesse processo?
GÖRAN
LAMBERTZ: Na Suécia, assim como na maioria dos países, o papel da Suprema Corte
é proteger a Constituição e tornar a lei clara para todos. Outro papel
importante do Supremo é garantir a aplicação das convenções internacionais
sobre temas diversos, como por exemplo a proteção aos direitos humanos de um
indivíduo.
Qual
seria o procedimento na Suécia para garantir a ordem jurídica e constitucional,
diante de uma suspeita de imparcialidade legal?
GÖRAN
LAMBERTZ: Se um juiz sueco agisse de uma forma percebida como não totalmente
independente e imparcial, a Suprema Corte anularia seu julgamento do caso. O
julgamento seria declarado ilegal.
A
Suprema Corte sueca determinaria o afastamento do juiz?
GÖRAN
LAMBERTZ: A Suprema Corte sueca enviaria o caso de volta ao tribunal em
questão, e o tribunal teria que substituir o juiz por um outro magistrado. Mas
isso não é algo que acontece na Suécia. Porque na realidade, todos os juízes
têm consciência de que devem ser totalmente imparciais, e nenhum deles se
colocaria em tal posição de risco.
Quais
são as regras que regulam o critério de imparcialidade dos juízes na Suécia?
GÖRAN
LAMBERTZ: Juízes suecos não são proibidos de expressar suas posições em público
ou de manter conversas com representantes políticos, mas isto é considerado
algo inadequado. Em geral, os juízes preferem não correr o risco de serem
considerados pessoas impróprias para julgar de forma imparcial.
O
ministro do STF Gilmar Mendes virou um dos focos das atenções ao determinar a
suspensão da posse do ex-presidente Lula como ministro da Casa Civil, após ter
sido fotografado almoçando com representantes da oposição ao governo. A decisão
foi comemorada por parte da população, que interpretou a posse de Lula no
ministério como uma manobra para a obtenção de foro privilegiado. Criticado por
partidários do governo, Mendes declarou que não está proibido de conversar com
representantes da oposição, ou do governo. Qual é a sua interpretação?
GÖRAN
LAMBERTZ: Para mim, é difícil emitir uma opinião, sem conhecer os detalhes do
que de fato ocorreu. Mas um juiz, especialmente da Suprema Corte, deve ser
cauteloso ao manter conversações com partes interessadas em determinado caso. Se
isso de fato ocorreu, me parece algo preocupante.
Por
quê?
GÖRAN
LAMBERTZ: Porque é extremamente importante que juízes de todas as instâncias,
em respeito à democracia e à ordem jurídica e constitucional, atuem com total
imparcialidade. Caso contrário, não haverá razão para a sociedade confiar nem
em seus juízes, e nem em seus julgamentos.
Aplaudido
por parte da população por sua cruzada contra a corrupção no país, o juiz
Sergio Moro tem por outro lado sofrido críticas em relação aos métodos
empregados na Operação Lava Jato, que envolvem estender o prazo de prisões
preventivas para fechar acordos de delação premiada antes de levar suspeitos a
julgamento. São métodos juridicamente válidos?
GÖRAN
LAMBERTZ: Não gostaria de emitir juízo sobre qualquer processo legal conduzido
no Brasil. E nem poderia fazê-lo, à distância e sem conhecer os pormenores do
caso. O que posso dizer é que estes tipos de método não são usados aqui na
Suécia. Minha impressão é de que tais métodos não deveriam ser usados por um
juiz em sua posição como magistrado. Não me parece que, ao adotar tais métodos,
um juiz estaria agindo como um juiz deve agir.
Tanto
o ministro da Justiça do Brasil como um dos integrantes da Suprema Corte, Marco
Aurélio Mello, sugeriram que o juiz Sergio Moro cometeu um crime ao tornar
público o teor da gravação de conversa telefônica entre a presidente da
república e o ex-presidente Lula. Já o juiz Moro se defendeu dizendo que a
divulgação da conversa seria de interesse público. O Conselho Federal da OAB
também diz que a sociedade tem o direito de ter acesso a todas as informações.
Quem tem razão, a seu ver?
GÖRAN
LAMBERTZ: Devo dizer que não posso tecer comentários a respeito. Porque
trata-se de algo tão impensável na Suécia, que não consigo sequer imaginar que
isso possa ocorrer. Valer-se de grampos e divulgar conversas telefônicas
interceptadas, seja de que cidadão for, não é tarefa de um juiz.
Em
uma situação de tal polarização, quem vigia os vigias para assegurar a ordem
constitucional?
GÖRAN
LAMBERTZ: Não há, de fato, vigias para vigiar o sistema judiciário. Com a
exceção, eu diria, da mídia. É papel da mídia supervisionar a Justiça. Uma
mídia responsável é o cão de guarda das instituições de uma sociedade,
incluindo o sistema judicial. Não há supervisão dos juízes de um país, pois a
sociedade espera que eles sejam pessoas verdadeiramente independentes e
honestas. E se uma sociedade suspeita que seus juízes não sejam pessoas
verdadeiramente independentes e honestas, o país passa a enfrentar um grave
problema.
Que
problema, especificamente?
GÖRAN
LAMBERTZ: Investigações e processos judiciais devem ser conduzidos de forma
isenta e apropriada, dentro dos ditames das leis constitucionais. Um país deve
ter um sistema judicial imparcial e honesto, que tenha a confiança da
população. Se o Judiciário perde a confiança da população, o país passa a enfrentar
um grande, grande perigo. Porque quando os representantes da Justiça não são
totalmente imparciais, não pode haver justiça. Em vez de justiça, será feita
injustiça.
Fonte:
diariodocentrodomundo
1 Comentários
GÖRAN LAMBERTZ CERTAMENTE NÃO TEM JAGUNÇOS COMO FOI O CASO DO JUIZ QUE ACUSOU GILMAR MENDES POSSUÍ-LOS. O BRASIL É DIFERENTE, LAMBERTZ...PERGUNTE A CHARLES DE GAULE
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