PAULO MOREIRA LEITE
O jornalista e escritor Paulo Moreira Leite é diretor do 247 em Brasília
Foi
Willian Randolph Hearst, patrono dos impérios da mídia, construídos com audácia
e nenhum escrúpulo, cuja historia inspirou a obra prima Cidadão Kane de Orson
Welles, quem descobriu a importância da mentira para consolidar os próprios
lucros e proteger interesses políticos.
No
final do século XIX, depois que um encouraçado da Marinha dos Estados Unidos
sofreu um atentado não esclarecido no porto de Havana, na então colônia
espanhola de Cuba, Hearst abriu uma campanha nacional para conduzir o país a
guerra contra a Espanha, que ajudou a transformar os EUA num império mundial.
Num período em que a fotografia
engatinhava e a TV não fora inventada, as ilustrações ocupavam um papel essencial
no convencimento da população, que deveria ser mobilizada em manifestações e
atos públicos destinados a pressionar o Congresso e o governo a favor da
guerra. Enfrentando a resistência de um de seus ilustradores para produzir
imagens fortes demais, falsos retratos de um inimigo que pretendia atacar de
qualquer maneira, Hearst cunhou uma frase famosa: "Você fornece as imagens
e eu vou fornecer a guerra."
No
Brasil de 2016, a mídia grande foi a guerra contra o governo Dilma empregando
os métodos de Hearst em sua versão século XXI para criar uma nova ofensiva
contra as instituições que expressam o funcionamento de uma democracia
construída com sacrifícios que não precisam ser lembrados aqui. Numa nova
demonstração de absoluta falta de escrúpulos democráticos, valeu-se de um
grampo ilegal, não autorizado, para sustentar uma versão absurda. Você sabe
qual é: de que Dilma Rousseff nomeou
Luiz Inácio Lula da Silva, o mais popular presidente brasileiro, para ocupar a
Casa Civil, o ministério mais importante no Planalto, apenas para permitir que
ele ficasse longe das investigações de Sérgio Moro. Não há uma palavra, uma
frase, ao longo de todo o diálogo, que permita sustentar essa afirmação. Na
conversa, Dilma apenas informa Lula que está lhe enviando o "termo de
posse", documento jurídico que faz parte da documentação de todo ocupante
de um cargo político. E só.
A
lorota é jurídica e política. Baseia-se numa mistificação a respeito do STF,
agora apontado como uma espécie de templo da impunidade que beneficia ricos e
poderosos do país -- título discutível quando se trata pelo menos de acusados
ligados ao Partido dos Trabalhadores. Em minha opinião, em 2012, no julgamento
da AP 470, o Supremo fez mais do que julgar e condenar com severidade e rigor.
Condenou um deputado sem prova de corrupção, como José Genoíno. Elevou -- isso
foi admitido claramente no tribunal -- artificialmente as penas de José Dirceu
para que ele fosse mantido em regime fechado. Fechou os olhos para provas e
testemunhos que seriam de grande utilidade para a defesa dos réus, mantidos num
inquérito à parte, número 2474, decisão que provocou protestos indignados do
decano Celso de Mello. Ao mesmo tempo, enviou os acusados do PSDB para a
primeira instância, na qual, até hoje, ninguém foi condenado de forma
definitiva.
Comecemos
pelo grampo que exibe uma conversa Lula x Dilma, que acumula várias
ilegalidades e desde o primeiro momento deveria ser tratado como crime. O
grampo não poderia ter sido realizado para registrar uma conversa ocorrida as
13h20 de ontem. Isso porque, duas horas antes, o juiz Sérgio Moro havia
determinado que as interceptações telefônicas de Lula deveriam ser suspensas,
já que ele iria assumir a Casa Civil, passando a ser investigado sob controle
do ministro Teori Zavaski, do STF. Há até uma documentação da PF demonstrado
que a orientação chegou aos canais competentes, não havendo razão para que não
fosse cumprida. Mesmo assim, a gravação prosseguiu para um prazo não
autorizado, como uma típica escuta clandestina que ninguém tem o direito de
fazer, muito menos uma autoridade policial. Isso não era uma suspeita. Era um
flagrante.
Em
segundo lugar, o próprio Sérgio Moro decidiu quebrar o sigilo do material, o
que é discutível, do ponto de vista da postura isenta que se espera do
Judiciário, e lamentável, quando se recorda a circunstância em que o grampo
Lula x Dilma fora obtido.
Antes
de mais nada, caberia investigar exatamente o que aconteceu, já que uma ordem
para interromper o grampo não foi cumprida. Comprovada a irregularidade, a
prioridade é saber como e por que se produziu um grampo ilegal -- o que torna a
divulgação posterior especialmente imprópria, escandalosa.
Para
complicar, o áudio contém indícios que mostram que é possível que tenha sido
registrada uma conversa que a Polícia Federal não está autorizado a gravar. O
som ambiente sugere que a ligação pode ter partido de um telefone de Dilma para
um telefone de Lula. O óbvio: nenhum policial está autorizado a grampear o
número da presidente, nem com autorização de um juiz de primeira instância. É
preciso autorização expressa do Superior Tribunal Federal. Para várias pessoas
que tiveram acesso ao áudio, o ruído de discagem e vozes posteriores mostra que
ela era o alvo que permitiu aquele grampo.
Seguindo
a escola de Hearst, a noite foi pródiga em jornalistas fazendo caretas,
biquinhos, olhares arregalados. A orientação óbvia da Tv Goebbels era
dramatizar, numa reprodução fiel do comportamento dos ilustradores do século
XIX, fornecedores de imagens para quem iria fornecer a guerra. O psico-drama,
destinado a alimentar um irresponsável sensacionalismo eletrônico, autoritário
e policialesco, prolongou-se pela noite, gerando uma profecia que se
auto-realiza pelas ruas de São Paulo. Era preciso fazer o grampo dizer aquilo
que ele não dizia.
O
esforço para sufocar o governo Dilma encontra-se perto de seu ponto máximo, que
se obtém no momento em que o adversário perde a capacidade de se mover. Ontem,
retirou-se do governo o direito à palavra.
O
capítulo final está longe de ter sido escrito, porém. É o que demonstra a honrada
demonstração de resistência de intelectuais na PUC paulista, ontem à noite. É o
que confirmam os preparativos para os protestos de amanhã, que avançam em
volume e articulação. Só em São Paulo, a previsão é de que 500 ônibus serão
fretados até amanhã.
Os
jovens e velhos do futuro irão estudar, examinar e discutir as jornadas que
vivemos hoje. O país vive um desses momentos em que há vergonha no presente,
mas pode haver glória no horizonte.
O
patrono Randolph Hearst, cujas mentiras lhe permitiram construir um império de
30 jornais e um bom pacote de revistas, nunca escondeu o desprezo que sentia
pela população que consumia suas mentiras. Sua máxima era simples e clara:
"ninguém perdeu dinheiro investindo na baixa inteligência dos
leitores."
Fonte:
brasil247
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