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Direitos Humanos não existem para defender Bandido, existem para impedir que o Estado se torne o Bandido

Há uma certa incompreensão sobre o que são Direitos Humanos, sobretudo na atualidade, momento em que o diálogo é trocado por ”fuzis verbais”. Fala-se sobre tudo, mas nada se sabe. É o paradoxo moderno. Há quem diga que a expressão ”Direitos Humanos” carrega um problema nominal, visto que, para fins elucidativos, e agregando ao nome o sentido que se lhe apresenta, a expressão mais adequada seria ”direitos dos manos”. Mas aí é que está o problema. Se você pensa dessa maneira, sinto em dizer, mas você está completamente equivocado.
A própria percepção de Direito surge como uma forma de limitar o poder do Estado, vide Carta Magna(12015) . Mas desde as tragédias gregas já temos algumas ponderações acerca disso, como, por exemplo, na peça ”Antígona” do tragediógrafo Sófocles. O Estado Aparece na figura do Rei Creonte que designa que Polinices, por ter se insubordinado contra o governo, não tenha mais o direito de ser sepultado. Antígona se insurge contra essa determinação de Creonte e decide realizar os ritos funerários, enterrando, assim, o seu irmão, logrando-se da existência de uma lei que sobrepõe a lei do Estado, a lei divina. Percebemos então que a lei divina (Thémis) foi invocada como uma forma axiológica-externa de julgamento, com o intuito de limitar o poder vertical do Estado.
É preciso que se entenda isso, para que mesmo que de forma prosaica, possamos afirmar que Antígona se utilizou de algo ”fora do Estado” para impedi-lo de agir arbitrariamente e cometer uma injustiça. Se você entendeu até aqui, bom, já podemos dizer que um dos pilares para o real entendimento do que são Direitos Humanos já está construído.
Outra questão que se faz importante entender é que dentro do próprio conceito de Direitos Humanos, está embutido questão da generalidade. Essa talvez seja uma das características mais importantes. Não é direito dos Brancos, dos negros, dos Índios; são Direitos Humanos! O Filósofo Francis Wolf aduz que os povos primitivos separavam as pessoas entre ”Civilizados” e ” Bárbaros ” e quase sempre os civilizados eram aqueles que pertenciam ao mesmo povo, os estrangeiros eram sempre vistos como bárbaros e, portanto, não tão humanos. As próprias religiões monoteístas surgem alegando ”povos escolhidos” e corroborando com essa perspectiva.
No desenvolvimento histórico dos Direitos Humanos, o Cristianismo, principalmente na figura de Paulo, aparece como uma forma de quebrar com essa compreensão de mundo. Deus – como conceito – passa a ser deus de todos, independente da cor, gênero, ou povo e, assim, nasce a concepção de que todos têm direitos.
Poucas pessoas sabem que Hitler, por exemplo, subiu com a constituição debaixo do Braço. O nazismo foi ancorado e embasado pela lei. Aliás, foi uma das alegações de Eichmann: ”Eu estava apenas cumprindo ordens”. Isso aconteceu porque não havia nem um fator axiológico externo para medir se o que estava sendo feito era ou não errado, justo ou injusto. O Direito era apenas a ”vontade do povo”, de seus legisladores, se convertendo em uma tirania regida pela ópera ensurdecedora das maiorias. Logo após a segunda guerra mundial, em 1948, no dia 10 de dezembro foi proclamada a ”Declaração Universal dos Direitos Humanos”
Para evitar que algo como o nazismo aconteça de novo, foi estabelecido, por exemplo, ”As Clausulas Pétreas”, como limitações materiais ao poder de reforma da constituição. Estabelecendo normas que não são sujeitas ao controle simplesmente majoritário e político. Direitos intocáveis. E também a independência do Judiciário, tendo em vista que é um poder ”não político” e tem uma função intrinsecamente impopular, visto que é o poder que visa limitar a ”Tirania das maiorias”, para usar a expressão do Ortega y Gasset . Então, dois poderes são majoritários ( Executivo e Legislativo) e portanto políticos, sujeitos à vontade do povo e o outro ”não político” (Judiciário) para limitar essa mesma vontade.
Vamos pegar um exemplo bem concreto. Imagine que um policial que, ao perseguir um bandido, decida matá-lo a sangue frio e, em um cruzamento qualquer, força-o a pegar uma arma (para depois se usar do recurso da Legítima Defesa) e atira nele logo em seguida. Bem, o policial claramente exerce o poder do Estado e nesse momento o Policial e, por consequência, o Estado se transformam no Bandido. O raciocínio é simples, todos temos o direito ao devido processo legal, ampla defesa, todos nós sabemos disso. Se o Estado não respeita isso, se torna automaticamente o bandido, e, sendo assim, que legitimidade o Estado teria para julgar qualquer um de nós? Se nem o próprio Estado respeita as suas limitações legais?
Aliás, para ser mais claro ainda: por mais que haja um querer, uma vontade ou ideal de “justiça” por trás da ação cometida, se ela desrespeita os trâmites legais estabelecidos pela constituição, o Estado não só se transforma no bandido, haja vista o descumprimento de um procedimento legal, como toda a estrutura jurídica é colocada em xeque, pois se os institutos jurídicos não são respeitados, qual a importância e legitimidade do próprio direito?
E no caso de um golpe militar em que o Estado muda completamente a sua forma e passa a perseguir todos os nossos direitos, vide AI-5 e supressão de Habeas Corpus? O que fazer? Como diz Chico Buarque de Holanda ” Chame o Ladrão!”, se até o Estado se volta contra os meus direitos, a única pessoa a quem posso recorrer é ao “bandido”. Deu pra entender? Então, sempre que seu amigo falar que Direitos Humanos serve pra defender Bandido, responda pra ela de maneira aguerrida: ”DIREITOS HUMANOS NÃO EXISTEM PARA DEFENDER BANDIDO. EXISTEM PARA IMPEDIR QUE O ESTADO SE TORNE O BANDIDO”.

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