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A Constituição continua no banco dos réus

"Por que tanto medo de um homem de 74 anos cuja única arma é sua palavra?", questiona o jornalista Ribamar Fonseca sobre o julgamento pelo STF da prisão após condenação em segunda instância. "Enquanto não chega o dia do julgamento final, a Constituição continuará no banco dos réus"

Ribamar Fonseca - O Supremo Tribunal Federal suspendeu, mais uma vez, o julgamento das ADCs que questionam a constitucionalidade da prisão após condenação em segunda instância. A questão, que já poderia estar solucionada há tempos, vem se arrastando desde a gestão da ministra Carmem Lucia na presidência da Corte por conta de seguidos adiamentos, causados pela possibilidade da votação beneficiar o ex-presidente Lula, preso sem crime há mais de 500 dias em Curitiba. Quem está sendo julgado, na verdade, é a Constituição Federal, um absurdo sem tamanho que não encontra paralelo em nenhum outro lugar do mundo, e a possibilidade do resultado beneficiar o ex-presidente petista altera o comportamento de alguns ministros que se revelam, aparentemente, comprometidos politicamente. 

E para manter Lula preso, atendendo aos interesses políticos dos responsáveis pela derrubada da presidenta Dilma Rousseff e pela eleição de Jair Bolsonaro, não hesitam em prejudicar cerca de quatro mil presos, que aguardam a decisão da Suprema Corte. O julgamento, que ainda não tem data para ser retomado, foi suspenso quando o placar estava 4 x 3 em favor da prisão, faltando ainda o voto de quatro ministros. A expectativa é de que a Carta Magna saia vencedora, com a derrubada da prisão em segunda instância, por 6 votos a 5, com o voto de desempate do presidente Dias Tóffoli.

O que se tem observado até agora é o malabarismo verbal dos ministros contrários ao cumprimento da Constituição, que fazem um vergonhoso contorcionismo em sua argumentação para justificar a prisão em segunda instância, embora a Carta Magna seja taxativa quando determina que “ninguém pode ser preso antes do trânsito em julgado”, ou seja, antes de esgotados todos os recursos dos réus. Quando elaboraram o texto constitucional, em 1988, os constituintes pretenderam dizer exatamente o que está escrito, certamente sem dar ensejo a interpretações que pudessem alterar os seus objetivos. Depois da Lava-Jato, no entanto, os textos da Lei foram abandonados para dar lugar às interpretações e cada magistrado passou a imitar o então juiz Sergio Moro e a fazer a interpretação de acordo com seus interesses ou simpatias. A partir dali passou a vigorar a “lei da convicção”. 

Por conta disso, o hoje ministro da Justiça condenou o ex-presidente Lula com base em “atos indeterminados”, por absoluta ausência de provas. Antes disso, no chamado “mensalão”, o ministro Joaquim Barbosa, também à falta de provas, condenou o ex-ministro José Dirceu com base na “teoria do domínio do fato”, ou seja, em noticias de jornais e revistas. Confiantes na cobertura da mídia tradicional, que os incensava e incensa até hoje, eles passaram a abusar da autoridade, convencidos de que seriam aplaudidos mesmo conscientes de que estavam burlando a lei para atingir seus objetivos que, coincidentemente, eram os mesmos da grande imprensa. 

Os argumentos usados na última sessão do julgamento das ADCs, suspenso pelo presidente Dias Toffoli quando o placar estava de 4 x 3 em favor da prisão, foram pitorescos. Um ministro disse que a prisão, determinada antes pelo Supremo, havia reduzido a população encarcerada, uma matemática que ninguém compreendeu. E que o cumprimento do dispositivo constitucional só beneficiaria os criminosos de colarinho branco e os corruptos, inclusive incentivando os recursos. Ora, a Constituição não foi feita para ninguém em particular mas para ser cumprida por todos os brasileiros. E os recursos são direitos de todos os cidadãos. Outro ministro disse que a prisão após a condenação em segunda instância não retirava do preso a presunção de inocência. 

Ou seja, o sujeito preso pode ser inocente. E se no final de todos os recursos ele for declarado inocente, como recuperar o tempo em que esteve privado da liberdade? Que tipo de indenização seria capaz de compensar o tempo perdido na prisão? A liberdade é um dos bens mais preciosos do homem e, portanto, não se pode privá-lo desse bem conduzido apenas por um sentimento punitivista. Alguns ministros se comportam como se fossem mais honestos do que os outros, mostrando-se mais rigorosos na punição dos acusados, sobretudo corruptos, como se os outros fossem lenientes com a corrupção. Na verdade, jogam para a plateia, especialmente depois que a TV Justiça passou a transmitir as sessões para todo o país, porque a vaidade parece ser maior do que o seu senso de justiça. O ministro Luiz Fux, por exemplo, o mais exaltado na defesa dos seus argumentos moralistas, é o mesmo que autorizou a concessão do auxilio-moradia até para magistrados proprietários de imóveis. Como classificar o uso do dinheiro público em benefício de alguns? 

O fato é que é um absurdo que a Suprema Corte, que tem o dever de guardar a Constituição, esteja discutindo se deve cumpri-la ou não. Se os senhores ministros acreditam que o texto da Carta Magna está ultrapassado e, por isso, não deve ser aplicado, por que não elaboram o projeto de uma nova Constituição e mandam para o Congresso Nacional, que é o poder que tem competência para aprova-la? O STF precisa limitar-se às suas atribuições e deixar de legislar, o que não o impede de contribuir com o Legislativo para o aperfeiçoamento da legislação. É preciso acabar com essa idéia de que o povo é burro e não entende de leis, pois o povo tem bom senso e lei é bom senso. E para fazer justiça ninguém precisa ser estudioso das leis, basta seguir o que disse Jesus: “Não faça aos outros o que não queres que te façam”.

O Judiciário tem várias instâncias justamente para impedir injustiças, o que, no entanto, não tem sido observado. Muita gente costuma dizer que Lula deve ser culpado, porque foi condenado em duas instâncias. Ocorre que o Tribunal Regional Federal da 4ª. Região, que não apenas confirmou a condenação do ex-presidente como, também, aumentou a pena de 9 para 12 anos, não se preocupou efetivamente em fazer justiça. E aumentou a pena com o único e exclusivo objetivo de impedir a sua prescrição como, aliás, admitiu o seu relator. Os desembargadores daquela Corte sequer ouviram o argumento da defesa, pois já chegaram ao julgamento com seus votos previamente escritos. Lula já estava condenado antes mesmo do julgamento. Na verdade, o ex-presidente já havia sido condenado até mesmo antes de aberto o inquérito que culminou com a sua prisão, pois esse era o compromisso assumido pelo então juiz Sergio Moro. Tudo, portanto, não passou de uma grande farsa para justificar, aos olhos do brasileiro, a prisão do maior líder popular deste país. 

A esta altura especula-se sobre o voto do ministro Dias Tóffoli, que deve ser vital para a decisão sobre o cumprimento ou não da Constituição. O jornal “O Estado de São Paulo“, que entrou no esquema destinado a pressionar o Supremo com matérias que induzem à aprovação da prisão em segunda instância, depois de noticiar uma hipotética greve de caminhoneiros caso Lula seja libertado, informou que os militares estão preocupados com a possibilidade de libertação do ex-presidente. Eles temem que, em liberdade, o líder petista possa reorganizar a esquerda, com manifestações contra o governo. A ser verdade tais informações, não deixa de ser surpreendente o medo que, aparentemente, todos tem de Lula. 

Por que tanto medo de um homem de 74 anos cuja única arma é sua palavra? E por que os militares seriam contra a liberdade justamente do homem que reaparelhou as Forças Armadas e, inclusive, iniciou a execução do projeto de construção do primeiro submarino nuclear brasileiro? Em toda a história deste país nunca se viu tanta interferência externa nas atividades da Suprema Corte, mas o seu decano, ministro Celso de Mello, já disse que não se intimida diante de surtos autoritários e da ação de delinquentes digitais escondidos nas redes sociais. Resta saber agora se o presidente da Corte, Dias Tóffoli, tem o mesmo pensamento. Com o seu voto será fácil conhece-lo. Enquanto não chega o dia do julgamento final, a Constituição continuará no banco dos réus.

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