Imagem: Pragmatismo Político
Do Jornal GGN.
“Moro sabia”. Contradições da subjetividade do saber
por Armando Rodrigues Coelho Neto
Por mais de três décadas servi à Polícia Federal. Entre as diversas atividades, estivemos à frente de uma delegacia, cujos agentes, sob nossa responsabilidade iam para as ruas com Ordens de Missão de nossa unidade. Conforme determinações, tinham o dever de realizar diligências x ou y. Em outras palavras, iam para as ruas em nome do que era correto, legal, escrito na ordem recebida. O resultado do trabalho deles era examinado por outros profissionais. Estes, por sua vez, frente a um trabalho em aparente conformidade da lei, emitiam pareceres que serviriam de suporte para emissão de certificados que eram assinado por pelo chefe da unidade. No caso, este escrevinhador. Isso significava, em muitas vezes, quase mil assinaturas.
Era humanamente impossível um único servidor entrar em pormenores das centenas de relatórios produzidos por aqueles agentes externos e internos, de forma que, se na origem, alguma ilegalidade fosse cometida no meio da rua não seria de nosso conhecimento. Desse modo, como regra, trabalhávamos todos “Em confiança”, partindo do princípio de que todos estavam trabalhando corretamente. Uma conferência por amostragem estava longe de evitar que falhas ocorressem – graves ou não. Para nossa felicidade, nada ocorreu que precisasse ser objeto de investigações, punições. De qualquer modo, convenhamos, não é a regra.
Imaginem, por exemplo, que um dos agentes resolvesse pedir ou exigir dinheiro em nosso nome para obter certificado? E se ele recebesse? E se ao receber ele abrisse uma conta no nome dele? E se ele próprio fizesse depósito e retiradas e dissesse que o dinheiro era para o chefe da delegacia? Indo mais longe, vamos presumir que ele tivesse uma agenda, fizesse retirada e anotasse como se fosse para o seu chefe? Indo mais longe, vamos supor que isso fosse uma prática corriqueira de muitos anos. Um chefe de delegacia, que mal conseguia analisar todos os processos, precisava assinar em confiança, teria condições de conhecer particularidades da vida do servidor corrupto?
A citação ao micro universo que conheci, dentro da Polícia Federal, vem a propósito das reiteradas afirmações do ex-presidente Lula quanto às “meninices” praticadas pelos representantes do Ministério Público Federal. Para ele, típicas demonstrações de inexperiência, falta de intimidade com a rotina da Presidência da República, tais como escolha de ministros, aprovação de projetos, etc. O fato é que alheios a tais práticas, vem levando os oficiantes da Farsa Jato cometerem aberrações interpretativas, baseadas em sofismas com resultado dedutivo primário. Deduções precárias e fanfarrônicas que eclodiram com a tal teoria do domínio do fato.
Na medida em que se parte de raciocínios tão primários, permito descer a esse primarismo para lembrar um engenhoso exemplo de sofisma encontrável nas redes sociais. “As galinhas tem dois pés. Os homens têm dois pés. Logo, os homens são galinhas”. Sim, é verdade que galinhas e homens terem dois pés são fatos verdadeiros. Entretanto, o uso dessas duas verdades não tornam a conclusão verdadeira. Do mesmo modo, “se todo político é ladrão”, e Lula é político, logo ele é ladrão. Mas, se partíssemos do princípio de que nem todo político é ladrão, talvez fosse possível concluir que Lula, mesmo sendo político, não seria necessariamente ladrão.
Os raciocínios dedutivos e conjecturais da Farsa Jato, além dos sofismas, muito se assemelham aos joguinhos de circunstâncias dos romances de Agatha Christie. Os mais afetos ao trabalho da autora sabem que ela era capaz de oferecer elementos para que diversos personagens se tornassem suspeitos de um crime. Só que as novelinhas policialescas engendradas pela PF/MPF/JF estão muito aquém das ficções criadas pela brilhante ficcionista. Razão cabe ao ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, quando usa a expressão “meninice dos procuradores”. Nossos avós talvez fossem até mais agressivos e diriam que quem usa cuida…
Seguindo esse rol de obviedades, no curso dos trabalhos da Farsa Jato nomes ligados ao PSDB sempre foram citados. O nome de Aécio foi certamente um deles. Mas, mesmo assim o juiz Sérgio Moro minimizou as referências tirando fotografias ao lado de Aécio – candidato da Globo, emissora, aliás, que vive em débito com os cofres públicos, mas que Moro não achou nada demais receber dela honrarias. Hoje, quando fatos graves envolvem a figura de Aécio, fosse o leitor seguir o mesmo raciocínio primário da Farsa Jato, poderia seguir a teoria da Veja e concluir facilmente que “Moro sabia”.
O mesmo raciocínio pode ser aplicado às falcatruas hoje atribuídas ao impostor Temer, personagem com quem o juiz Sérgio Moro também se permitiu ser fotografado. Mais que isso, Eduardo Cunha teria tentado mostrar a esse mesmo juiz o que Temer teria feito no verão passado. Mas, ao que consta, o magistrado teria indeferido nada menos que 21 questões que comprometeriam Fora Temer. Desse modo, cumpre retornar a questão ao leitor: – é licito concluir que Moro sabia? É lícito deduzir que Moro teria tentado proteger o usurpador da Faixa Presidencial? Seriam essas circunstâncias conhecidas e provadas que nos permitiriam conclusões? Que belo PowerPoint daria tudo isso! Quando a boa exegese e hermenêutica jurídicas são abandonada e ganha tonalidade partidária, gira em torno de holofotes e tietagens de pop star, a Justiça começa a ficar caolha.
Fonte: ocafezinho
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