247 - Conhecida por uma atuação pouco visível mas efetiva em momentos de decisivos da atuação política do marido Lula, a morte cerebral de Marisa Letícia cumpriu uma função política única.
Inspirou uma coreografia útil para se compreender as verdades e mentiras da conjuntura atual, num país onde o regime democrático se encontra à deriva, o emprego sumiu e o Planalto não consegue apontar uma saída à altura de uma nação que abriga o 8o. PIB do planeta e exerce um papel reconhecido no Hemisfério Sul.
Estou falando da fila indiana de ministros que, acompanhando Michel Temer, chegou ao terceiro andar do Sírio Libanês depois das dez da noite de terça-feira para um encontro com Lula. Minutos antes, os amigos, parentes, antigos ministros e parlamentares ali presentes puderam emocionar-se com uma oração de dom Angélico Sândalo, o bispo da Pastoral operária. Voz corajosa da luta contra a ditadura, dom Angélico abraçou Lula para falar de velhos tempos que, obviamente, estão ficando parecidos com os novos tempos.
Em seguida, por alguns momentos, talvez 30 minutos, um pouco mais, uma fantasia de República de reputações falidas e protagonistas sem voto popular mudou-se para o hospital, acomodando-se numa sala no mesmo andar e a poucos metros da UTI onde o coração de Marisa ainda batia.
Aqueles personagens que a população vai se habituando a chamar de golpistas -- fora do país as dúvidas praticamente se dissiparam -- pretendiam passar a impressão de que cometiam um gesto de solidariedade bem educada. A gentileza foi de Lula, que, na condição de quem é cinco vezes réu na Lava Jato, segue o mais popular político brasileiro, hoje o grande favorito para 2018.
A visita foi um pedido de Temer, encaminhado por Fernando Henrique Cardoso, que esteve com Lula no meio da tarde. Boa parte dos presentes no terceiro andar do Sírio torceu o nariz quando soube que Lula havia concordado com a ideia. Vários ameaçaram puxar um "Fora Temer" assim que o visitante surgisse na porta de um dos elevadores. Claro que isso não ocorreu mas, enquanto Temer entrava por um lado, vários ministros de Lula e Dilma e diversos parlamentares aproveitaram a oportunidade para ir embora pelo outro.
O encontro em si foi rápido e será lembrado mais pela coreografia do que pelos diálogos. Tensa depois das vaias e gritos de "assassino" e "golpistas" ouvidos a entrada do hospital, a comitiva tomou a direção errada ao sair do elevador, sendo obrigada uma caminhada mais longa até chegar ao local acertado para a conversa. Presente a convite de Lula -- o outro foi o senador Jorge Viana -- o duplo ministro Jaques Wagner aproveitou uma pausa para se retirar antes do final -- irritado com aquilo que ouvia.
Lula se comportou como costuma fazer em conversas que podem se transformar numa armadilha quando vazadas para os jornais. Colocou questões corretas que podem ser reproduzidas pela posteridade. Falou até de economia, repetindo uma ideia que tem defendido para todas as plateias -- de que o país precisa voltar a crescer. Criticou a reforma da Previdência. Só questões importantes, que os interlocutores não tem como responder nem pretendem.
O encontro terminou sem nada acrescentar à conjuntura. Não trará novidades. Até porque, mesmo sob ataque, ferido, Lula continua maior do que os visitantes, cuja presença confirmou que a República não pode ficar de pé sem ele, ainda que seja réu em cinco inquéritos da Lava Jato. Aqui está o caminho para a recuperação da democracia.
Esta foi a mensagem deixada pelos últimos momentos de Marisa.
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