Governo
discute cobrar INSS de aposentados, mas protege ricos de taxação
por
Leonardo Sakamoto, em seu blog
Se
a equipe responsável por desenhar a Reforma da Previdência confirmar que o
governo federal deve propor a possibilidade de cobrança de contribuição ao INSS
de todos os aposentados, teremos algumas comprovações – isso, é claro, se ainda
restar um país depois dos protestos causados pela aprovação dessa medida.
Primeiro,
ficará comprovado que o governo Michel Temer acha que desiguais, ricos e
pobres, devem ser tratados de forma desigual. Não como deveria ser, com os
trabalhadores sendo mais protegidos pelo Estado por sua condição de
vulnerabilidade econômica e social. Mas com as pessoas que dependem do INSS
mensalmente para sobreviver, ou seja, a camada mais pobre da sociedade, tendo
que voltar a contribuir com a Previdência para ajudar nas contas do país.
Enquanto
isso, o governo evita discutir a taxação de dividendos recebidos de empresas
(como acontecia antigamente e como é feito em todo o mundo), a fazer uma
alteração decente na tabela do Imposto de Renda (criando novas alíquotas para
cobrar mais de quem ganha muito e isentando a maior parte da classe média), a
regulamentar um imposto sobre grandes fortunas e aumentar a taxação de grandes
heranças (seguindo o modelo norte-americano ou europeu).
Isso
poderia ajudar o caixa da Previdência e serviria como política de
redistribuição ao mesmo tempo, o que é sempre bem vindo em um país concentrador
de riqueza como o Brasil. Mostraria também que somos uma democracia de verdade,
com o chicote estalando no lombo de ricos e pobres.
Segundo,
mostrará que o governo utiliza-se de malabarismos semânticos e lógicos para
tentar justificar o injustificável. Segundo os estudos em curso, trazidos à
tona em matéria da Folha de S.Paulo, deste sábado (29), o trabalhador que
recebe bruto um salário mínimo quando está na ativa sofre o desconto do INSS.
Então, pela lógica da equipe de Temer, ele deveria ser continuar sendo
descontados e receber o mesmo valor quando aposentado e não o valor cheio.
Não
importa que os gastos extras com saúde de uma pessoa idosa sejam maiores que de
uma pessoa jovem e saudável. Não importa que a pessoa não receba mais FGTS ou
tenha acesso a benefícios dos trabalhadores da ativa. O que importa é o cálculo
nominal, frio e desumanizado. O valor de R$ 70,40 pode não representar nada
para governantes e magistrados que discutem hoje a redução de direitos. Mas
para quem recebe uma merreca de aposentadoria de R$ 880,00 pode ser a diferença
em ter dignidade ou não.
Por
fim, o governo Michel Temer, com esses estudos e balões de ensaio, segue
mostrando que acha que o Brasil é um grande escritório com ar condicionado.
Um
dos objetivos da Reforma da Previdência é manter os trabalhadores no mercado de
trabalho. Usa para isso a justificativa que a expectativa de vida aumentou, a
população mais jovem diminuiu e é necessário alterar as leis para garantir que
aposentadorias continuem sendo pagas – o que não discordo de uma maneira geral.
Para
isso, querem uma idade mínima de 65 anos para a aposentadoria. Aí reside o
problema. Normalmente quem defende a imposição dessa idade somos nós,
jornalistas, cientistas sociais, economistas, administradores públicos e
privados, advogados, políticos. Pessoas que não costumam carregar sacos de
cimento nas costas durante toda uma jornada de trabalho, cortar mais de 12
toneladas de cana de açúcar diariamente, queimar-se ao produzir carradas de
carvão vegetal para abastecer siderúrgicas e limpar pastos ou colher frutas sob
um sol escaldante. Afinal de contas, o que são 65 anos para nós, que
trabalhamos em atividades que nos exigem muito mais intelectualmente?
Diante
da incapacidade de se colocar no lugar do outro, do trabalhador e da
trabalhadora que dependem de sua força física para ganhar o pão, no campo e na
cidade, esquecemos que seus corpos se degradam a uma velocidade muito maior que
a dos nossos. E a menos que tenham tirado a sorte grande na loteria da
genética, eles tendem a ter uma vida mais curta (e sofrida) que a nossa. Aos 14
anos, muitos deles já estavam na luta e nem sempre apenas como aprendizes, como
manda a lei. Às vezes, começaram no batente até antes, aos 12, dez ou menos.
O
ideal seria, antes de fazer uma Reforma da Previdência Social, garantirmos a
qualidade do trabalho, melhorando o salário e a formação de quem vende sua
força física, proporcionando a eles e elas qualidade de vida – seja através do
desenvolvimento da tecnologia, seja através da adoção de limites mais rigorosos
para a exploração do trabalho. O que tende a aumentar, é claro, a
produtividade.
Mas
como isso está longe de acontecer, o governo deveria estar discutindo o
estabelecimento de um regime diferenciado para determinadas categorias nessa
reforma para proteger os trabalhadores que se esfolam fisicamente durante sua
vida economicamente útil. O que não seria algo simples, claro, pois em algumas
delas os profissionais são levados aos limites e aposentados não por danos
físicos, mas psicológicos, chegando aos 60 sem condições de desfrutar o
merecido descanso.
É
claro que o Brasil precisa alterar os parâmetros de sua Previdência Social e
mesmo atualizar a CLT. O país está mais velho e isso deve ser levado em
consideração para os que, agora, ingresso no mercado de trabalho. Mas a reforma
da Previdência que vem sendo desenhada por Michel Temer sob a benção de
Henrique Meirelles ignora que há milhões de trabalhadores que começaram cedo na
labuta e, exauridos de força, mal estão chegando vivos a essa idade.
Portanto,
é um caso de delinquência política e social que vem sendo aplaudido por setores
e grupos para os quais R$ 70,40 significa apenas o preço da caipiroska no
almoço de sábado.
Publicado
em: Denúncia, Economia, Golpe, Governo Temer, Política
Fonte: ocafezinho
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