Trânsito em São Paulo: investigação aponta indícios de fraude no seguro obrigatório de veículos |
O
motorista de caminhão Almir Silva estava dirigindo sua motocicleta na zona
rural de Espinosa, no interior de Minas Gerais, quando perdeu o equilíbrio e a
derrubou em cima da própria perna. Foi atendido em um hospital local e,
enquanto estava internado, acionou o seguro de acidentes de trânsito, que
indeniza quem se machuca dirigindo, como passageiro ou pedestre.
Silva
ficou sabendo que teria direito a um cheque de 2 363 reais. Falou sobre o assunto com o
fisioterapeuta que o atendeu, e ouviu a seguinte recomendação:
se alegasse que não podia mais mexer a perna, obteria
uma indenização adicional de 7 088 reais,
valor que seria dividido com o médico e dois
advogados.
Silva
seguiu o conselho e entrou na Justiça solicitando o valor maior, mas o juiz
recusou o pedido, ao notar que Silva ainda trabalhava como motorista de
caminhão — logo, podia mexer a perna. Mesmo assim a seguradora pagou 2 599 reais a
mais. Não foi bondade, foi fraude.
O
caso citado é um dos que constam de um inquérito da Polícia Federal (PF) que
apura irregularidades nesse mercado — e foi obtido por EXAME. Depois de dois
anos de investigação, a PF concluiu que o esquema, que supostamente contava com
a participação de diretores da empresa, pode ter desviado 1,8 bilhão de reais
por ano.
Esse
seguro de acidentes de trânsito é obrigatório: todos os donos de veículos
precisam pagar, anualmente, um valor fixo definido pelo Conselho Nacional de
Seguros Privados: hoje, a taxa é de 105,65 reais para carros e de 292,01 para
motos. No ano passado, quase 60 milhões de brasileiros pagaram 9 bilhões de
reais.
Até
2008, eram as seguradoras que faziam a administração dessas apólices, vendendo
o seguro e ficando com a taxa de corretagem. O problema é que o controle era
capenga: estima-se que quase 70% dos motoristas não pagavam o seguro. Para
tentar resolver a questão, o governo decidiu criar uma empresa — privada, pelo
menos — para centralizar a operação.
Surgiu,
assim, a Líder-DPVAT, que representa 70 seguradoras, privadas e estatais. Seus
diretores, indicados pelas principais seguradoras do país, são responsáveis por
controlar as indenizações. Segundo a PF, a diretoria da Líder facilitou a
ocorrência de fraudes fechando acordos na Justiça mesmo quando já tinha pagado
indenização ou quando o próprio juiz dizia que o autor da queixa não tinha
direito ao recurso.
A
investigação também aponta que a mulher de Ricardo Xavier, presidente da Líder,
e a de Marcelo Davoli, diretor jurídico, seriam donas de empresas que prestam
serviços para a seguradora, o que é proibido pelo estatuto da companhia.
A
PF entregou o inquérito ao Ministério Público, que deverá definir até o fim de
agosto se denunciará os diretores à Justiça. “Defendemos a extinção do modelo
da Líder”, diz o promotor Paulo Márcio da Silva, responsável pelo caso no
Ministério Público Federal. Há uma investigação semelhante na Polícia Civil do
Ceará.
Em
maio, a Susep, órgão que fiscaliza o mercado de seguros, criou uma comissão
especial para analisar a atuação da Líder. No mês seguinte, foi instaurada uma
Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar o assunto. EXAME teve acesso
a parte do material de defesa da Líder.
A
seguradora contratou a auditoria PwC para fazer uma investigação própria das
fraudes e outra auditoria, a KPMG, para analisar os contratos com fornecedores.
A conclusão da KPMG é que não há contratos ou favorecimento de empresas de
parentes de diretores da companhia.
A
Líder também seguiu as orientações acordadas em um grupo de trabalho formado
com o Ministério Público e a Polícia Federal há um ano, com a contratação da
auditoria Deloitte para credenciar novas empresas de avaliação médica de
acidentados (KPMG, Deloitte e PwC não deram entrevista).
Em
nota, a Líder diz refutar as acusações de irregularidades, afirmando que o
inquérito não traz provas contra seus diretores. Diz ainda que a empresa fecha
acordos na Justiça para reduzir despesas com ações judiciais, em linha com as
orientações do Conselho Nacional de Justiça. “A Líder-DPVAT é vítima das
fraudes, sendo a maior noticiante desses casos aos órgãos policiais”, diz a
nota.
“O
que existe é o interesse de transformar Montes Claros numa nova república da
Polícia Federal”, afirma o executivo de uma seguradora referindo-se ao apelido
dado a Curitiba, sede da Operação Lava-Jato. A cidade de Montes Claros, em
Minas Gerais, foi onde a investigação começou, em 2014.
Em
nota, a Susep diz que não foi identificado, até o momento, qualquer fundamento
contra os administradores do DPVAT — mas entende que o modelo “pode ser
aprimorado”. As seguradoras que indicam a diretoria da Líder recorreram ao
Supremo Tribunal Federal para extinguir a CPI. Agora cabe ao Ministério Público
definir o próximo passo.
Fonte:
exame
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