Se
ainda havia dúvidas acerca do caráter golpista do impeachment versão 2016 os
próprios golpistas trataram e tratam de dissipá-lo e a todo momento revelam
esse caráter espúrio que os caracteriza, além de golpistas, de traidores e
fora-da-lei.
Golpe, traição e fora-da-lei são três
substantivos que se complementam. Todo golpe supõe traição e desobediência às
leis vigentes – golpistas costumam fazer suas próprias leis para assumirem ares
de legalistas, como vimos na ditadura de 64.
Traidores foram desde o começo, pois todos
os partidos, à exceção do PSDB, que se uniram para derrubar a presidente da
República apoiaram sua reeleição e votaram contra ela seis meses depois.
O golpismo ficou evidente quando os
golpistas sequer esperaram a consumação do impeachment para cantar e se
comportar como vitoriosos. Comparando a um jogo de futebol, terminado o
primeiro tempo, o time que venceu já se considerou o vencedor da partida
inteira, antes do fim do segundo tempo.
É a esse espetáculo antidemocrático que
assistimos todos os dias desde que o grupo golpista chegou ao Palácio do
Planalto provisoriamente, por seis meses. No entanto, comportou-se, desde o
início, como se chegasse para ficar seis anos.
Em vez de respeitar, civilizadamente, o
período de transição previsto na constituição lançou-se a, louca e
caoticamente, desmontar e fundir ministérios, numa frenética corrida para
demolir não só os três governos anteriores, do PT, mas tudo o que foi
construído nos 30 anos do período democrático, lançando o país no caos e na
desordem.
Traiu não só a constituição, o PT, o governo
Dilma, mas até o povo que saiu às ruas a favor do impeachment, frustrando as
bandeiras que levantou. Não foi formado um ministério de notáveis, como se
esperava, mas um ministério de réus e quase réus, protagonizado por deputados e
senadores que lideraram as votações do impeachment, numa demonstração evidente,
e sem pudor, de que se tratou de uma recompensa e não de nomeações por
merecimento ou notório saber.
Sob pretexto de fazer economia, foram
eliminados todos os ministérios que defendiam minorias e movimentos sociais de
uma penada só, sem dar qualquer satisfação à sociedade e seus respectivos
programas.
Tal como fazem todos os golpistas eles não
acham que devam qualquer satisfação à sociedade, apenas fazem o que desejam e
esperam não o consentimento, mas a submissão.
Não deram nenhum sinal, nem tomaram qualquer
iniciativa de combate à corrupção, traindo, mais uma vez, as ruas que os
“legitimaram”, ao contrário, puseram abaixo o principal órgão de fiscalização
dos ministérios, a CGU – Controladoria Geral da União. Não só não criticaram
envolvidos em corrupção como os abrigaram no primeiro escalão do governo, sob o
olhar de Pilatos do STF.
Determinaram mudanças abruptas na economia,
dobrando o déficit público e cortando direitos da maioria dos trabalhadores,
sem nenhuma consulta popular, amparados apenas na maioria de dois terços que
garantiu o golpe na Câmara e no Senado.
O que assistimos nesses dias melancólicos é
a continuação do tsunami que foi instaurado desde o primeiro dia.
O
segundo tempo do impeachment começou da mesma forma como ocorreu o primeiro.
Corre-se contra o tempo. O direito de defesa é cerceado. O STF está ausente.
A maioria dos senadores da comissão do
impeachment não demonstra qualquer intenção de julgar com base em provas, mas
pressa em condenar, pois seus votos já estão definidos, traindo suas próprias
declarações do primeiro turno quando afirmaram que concordavam com a
“admissibilidade” apenas e esperariam o julgamento para definir suas
deliberações.
Foi o que se viu na primeira e deprimente
sessão, nas palavras e atitudes do presidente Raimundo Lira, do relator Antônio
Anastasia e de senadores como Ronaldo Caiado, José Medeiros, Ana Amélia, Simone
Tebet, todos unidos pela máxima do “quanto mais rápido, melhor” e não do
“quanto mais justo, melhor”.
São atitudes típicas de golpistas, de
traidores e de fora-da-lei, não há dúvida. Eles querem diminuir prazos
estabelecidos na constituição, consagrados por jurisprudência e impedem o livre
exercício da defesa, traindo o juramento que fizeram ao assumir suas cadeiras,
de cumprir a constituição.
Dois membros da comissão se ausentaram.
Romário abriu mão de sua vaga para uma substituta, não se sabe se
voluntariamente ou pressionado pelo partido, pois tem se posicionado contrário
às primeiras medidas e atitudes do governo, sinalizando que poderá mudar seu
voto, se na votação em plenário não for obrigado a seguir a orientação
partidária, de forma clara ou oculta, já que um dos integrantes do seu partido
é ministro desse governo provisório e improvisado.
Outro que não compareceu, e se mostra
desconfortável com o andar da carruagem é Cristóvão Buarque, que migrou do PDT
para o PPS para votar a favor da admissibilidade do impeachment, e agora indica
que os golpistas não terão seu voto no segundo tempo. A conferir.
Em outra frente, o governo Temer, cujos
protagonistas, além do próprio, são Eduardo Cunha (que foi afastado da Câmara
dos Deputados, mas continua mandando na Câmara e no governo) e Romero Jucá (que
se afastou, mas não se afastou do ministério do Planejamento) confirma seu
caráter fora-da-lei ao cercear os direitos da presidente afastada, garantidos pela
constituição.
Um inexistente ou oculto Ministério das
Maldades controla quem entra e quem sai do Palácio da Alvorada, cortou a
alimentação dos aproximadamente 30 funcionários e limitou ao mínimo as viagens
da presidente que, embora afastada provisoriamente, ainda é a presidente
constitucional e não pode viajar senão em aviões oficiais, por determinação da
segurança.
Temos uma situação esdrúxula: uma presidente
que deseja ir ao encontro da população, mas é impedida; e um presidente a quem
ninguém impede, mas que não pode ir ao encontro da população.
A pressa do impeachment, o cerceamento da
defesa, o cerceamento do direito de ir e vir da presidente revelam não só o
caráter autoritário do governo interino, mas também medo.
Golpistas não sabem conviver com a
democracia, nem a democracia sabe conviver com eles.
Fonte:
brasil247
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