Por Sabrina de Campos no Facebook
#eusousobrevivente. 19 anos atrás
fui violentamente estuprada, qdo morei em Pernambuco . Eu tinha 16 anos, a
mesma idade de Beatriz. Foi um pouco depois desta foto no RJ. Tive sorte! Muita
sorte! De não morrer.
Tive
sorte! Muita sorte! Que naquela época não existia redes sociais para me julgar.
Mas teve jornal publicando q eu havia morrido, só com minhas iniciais...
Tive
sorte! Muita "sorte"! De ter nascido branca (pq isso me garante um
tipo de atendimento menos ruim q o q meninas negras recebem), classe média,
privilegiada, que pude ter acesso a todos os medicamentos disponíveis para
evitar gravidez e curar as doenças venéreas que contraí.
Tive
sorte! Muita sorte! De ter aprendido a desenhar bem e ter sido capaz de fazer
um retrato com perfeição daquele monstro, de memorizar a placa da moto,
facilitando sua busca e apreensão em menos de 24h.
Mas
também tive azar! De passar por 5 delegacias, fazer um exame horrível no IML e
ter que contar o crime a homens policiais, delegados, que desconfiaram de mim.
Por que? Porque o desgraçado era informante da polícia. Sim, dedurava outros
traficantes... e eu estava "atrapalhando" uma operação importante,
denunciando o crime.
Também
tive o azar, de ser estuprada mentalmente por mais de 30 homens, rapazes,
líderes religiosos da religião opressora e extremamente machista que meus pais
fazem parte: mórmon. Que em vez de me defenderem, me afundaram numa depressão
juvenil com seus julgamentos.
Tive
o azar de ter sido atendida por psiquiatras homens que estavam mais
interessados em relatos com detalhes dos abusos sexuais que sofri na
adolescência e no estupro, do que me ajudar a superar o trauma... Homens
brancos, profissionais de "bem".
Eu
não ía a bailes funk, eu não usava mini-saia, não andava com traficantes,
trabalhava e estudava. Cantava no coral da igreja todos os domingos. Não foi à
noite, foi à luz do dia. Eu poderia estar vestindo uma burka e sofreria o
estupro do mesmo jeito.
Ainda
assim, fui julgada, não era mais considerada "pura" para me
"casar com um homem de bem" da igreja... porque o que é que iriam falar,
não é mesmo?
Em
quase 20 anos já passei por todas as fases de uma sobrevivente de violência, de
um crime hediondo: de ter pena do infeliz sendo abusado na cadeia todos os
dias, até desejar sua morte nos meus pesadelos. De tentar achar alguma
explicação espiritual a pensar que talvez a culpa fosse minha. De silenciar, de
sentir vergonha, de fingir que estava tudo bem a mandar tudo à merda e expor
mesmo.
De
ter pânico ao saber que teria uma filha e chorar por semanas, com medo do que
poderia acontecer no futuro com ela.
Agora
o que mais me dá raiva, não são "só" os 33 estupradores. São os
milhares de pastores, bispos e outros líderes religiosos que continuam pregando
com hipocrisia, culpabilizando as mulheres, sendo homofóbicos, medindo o
caráter das pessoas pelo comprimento da saia. É ter que assistir uma dor
coletiva, me sentir impotente e ver que nada mudou. Mentira. Mudou sim, tá
pior.
Porque
esta garota e outras milhares que virão nos próximos tempos, sem os privilégios
que eu tive, correm o perigo de não ter assistência médica eficiente.
Outros
milhões que a julgarão e que julgam diariamente as meninas, moças e mulheres
pelas roupas que usam, pela cor do batom, das unhas, pelo tamanho da saia.
Aos
hipócritas que me fuderam há 20 anos, um aviso: vocês também vão cair. Cansei
de ver que neste tempo vcs não evoluíram e continuam com as mesmas práticas
perversas, arruinando famílias. Eu já não sou a garotinha de 16 anos. E não vou
poupar ninguém. Sei bem que essa mensagem vai chegar em vocês. E não é uma
ameaça, é uma promessa. Por mim e por todas as garotas e mulheres que sofreram
na mão de vocês "líderes de Sião". Me aguardem! Podem treinar bem
seus representantes de relações públicas, porque eles vão ter bastante
trabalho.
Que
a nossa raiva seja produtiva! Dar nome aos bois, denunciar, acolher uma mãe que
sofre violência doméstica, não aceitar piadinha infame, cobrar de todos os
deputados que se posicionem de uma vez a favor das mulheres, de não aceitar que
nossos meninos sejam levados para prostíbulo e iniciem suas vidas sexuais
aprendendo a tratar mulheres como objeto.
Gatilhos
emocionais ativados, revirados, remoídos e vomitados. Só quem passou por isso
sabe o que é.
Bora
sair da inércia? O que você vai fazer a respeito?
Desejo
à Beatriz que possa renascer das cinzas como eu renasci e que quem puder estar
próximo da família neste momento, oferecendo qq tipo de ajuda, que o faça.
Às
mulheres que sofrem abusos: DENUNCIE!
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