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Leviandade premiada contra Delcídio




Logo depois de tomar conhecimento da reportagem da revista Istoé anunciando que Delcídio do Amaral fizera uma delação premiada que comprometia Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula Silva, enviei um pedido de entrevista a um dos principais assessores do senador. A resposta chegou pelo whatspp às 10h53, fazendo referências diretas à reportagem que seria o grande assunto do dia:

-- Não estou em Brasília. Estamos preparando uma nota, obviamente, negando!

Publicada em seguida como manchete do Brasil 247, a informação de que o senador Delcídio do Amaral preparava um desmentido que mudaria a história do dia passou cinco horas e 49 minutos no portal, enfrentando, solitariamente, uma avalanche de notícias que tratavam a reportagem da Istoé como expressão de fatos verdadeiros. A Bolsa de Valores subiu. A oposição tentou engrossar o coro do impeachment. Recém empossado como o Advogado Geral da União, o próprio José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça por cinco anos e três meses, deu declarações infelizes, nas quais dava crédito a reportagem da Istoé e colocava em questão a credibilidade de Delcídio. 

A nota anunciada chegou, pelo mesmo whatsapp, cinco horas e 49 minutos depois de ter sido informada ao 247 pela assessoria de Delcídio. "À partida, nem o senador Delcídio nem a sua defesa confirmam o conteúdo da matéria da jornalista Debora Bergamasco" diz o pequeno texto, assinado pelo próprio Delcídio e pelo advogado Antonio Augusto Figueiredo Basto, o principal cérebro jurídico por trás das delações premiadas da Lava Jato, e que chegou a reunir-se com o senador logo após sua prisão, em novembro de 2015. "Não conhecemos a origem tampouco reconhecemos a autenticidade dos documentos que vão acostados ao texto," acrescenta a nota, para completar: "Esclarecemos que em momento algum, nem antes nem depois da matéria, fomos contatados pela referida jornalista para nos manifestar sobre a fidedignidade dos fatos relatados."

Apesar do tom prudente, evitando adjetivos categóricos, a nota tem o valor de afirmar pontos essenciais. O primeiro: aquele texto publicado pela Istoé pode ser o rascunho preliminar de uma oferta de delação premiada negociado por Delcídio do Amaral logo após sua prisão, quando audiências do senador com Figueiredo Basto chegaram aos jornais. Pessoas próximas que tiveram acesso ao senador, nos primeiros dias após a prisão, guardam a imagem de uma pessoa próxima do desespero, que sentia-se desamparada, vítima ideal de técnicas conhecidas de coerção psicológica.

Mas também pode ser uma versão unilateral, confeccionado por uma das partes -- réu, advogado, ministério público -- envolvida nas negociações, sem o aval indispensável dos demais.

Em qualquer hipótese, o ponto fundamental é o seguinte: não se trata de uma delação premiada nem merece ser tratada como tal. Isso porque este tipo de documento expressa um acordo de valor jurídico preciso, que deve ser avalizado pelo principal interessado -- o delator -- e referendado pelo Ministério Público e pela Justiça. Nada disso ocorreu com o documento divulgado pela revista.

Pior. A repercussão desse texto de paternidade incerta e natureza indefinida só pode ser explicada por um traço de comportamento comum em boa parte dos veículos de comunicação envolvidos na cobertura Lava Jato -- a capacidade para publicar uma denúncia sem um esforço indispensável para separar os fatos comprovados das versões interesseiras. Nesta quinta-feira, o país passou uma longa jornada horas às voltas com um conto do vigário que pretendia vender gato por lebre, aquecendo a temperatura política a partir de um episódio que havia muita fumaça e pouco (quem sabe nenhum) fogo.

O triste resultado é que no fim do dia, os telejornais e a maioria dos portais falavam de cara limpa, sem qualquer autocrítica ou retificação, nas "denúncias de Delcídio" ou na "delação premiada do senador". Bastaria ter aguardado por uma curta nota divulgada no fim da tarde para compreender que não se tratava nem de uma coisa nem de outra. Mesmo quem estivesse convencido de que tudo o que se podia ler na revista tinha como base a palavra do senador, sem qualquer alteração, edição ou montagem, tinha obrigação de conferir o que lhe era atribuído. Chamar o texto de "delação premiada" implicava em lhe dar uma credibilidade que não possuía nem merecia. Como esclareceu o PGR Rodrigo Janot, não era um documento jurídico, mas "uma reportagem."

A pressa está na origem de muitas reputações enterradas no cemitério do mau jornalismo do mundo inteiro. A fé cega em fontes que à primeira vista se mostram confiáveis explica vexames históricos, como a Escola Base, em São Paulo. Este caso tem um agravante particular, explicável pela conjuntura política: a vontade de alimentar de qualquer maneira a pressão contra Dilma e contra Lula. Este é o fator que explica o clima de circo incapaz de responder a uma singela nota de 14 linhas. 

Fonte: 247

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