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CNMP
confirmou que Lula é perseguido
Por
Paulo Moreira Leite
Ao
autorizar a permanência do procurador Cassio Conserino à frente das
investigações sobre o triplex do Guarujá, o Conselho Nacional do Ministério
Público assumiu uma decisão que é uma contradição absoluta, com termos que não
dialogam entre si e formam um conjunto incoerente e injusto.
Só
para você ter uma ideia: no mesmo dia, na mesma votação, no mesmo texto, o
Conselho negou a Luiz Inácio Lula da Silva um direito que, acabara de
reconhecer como "direito de todo cidadão" obrigado a prestar contas à
Justiça, que é ser investigado por um "promotor natural". Considerando que nem a condição de
ex-presidente da República, nem a de investigado pelo Ministério Público lhe
tira qualquer direito assegurado a todo cidadão, o resultado confirmou uma
situação absurda.
Entenda-se.
Para evitar um personagem típico das ditaduras, o chamado "promotor de
encomenda", que assume uma investigação com uma conclusão definida
previamente, seja para condenar, seja para inocentar um réu, a legislação
brasileira exige que os procuradores sejam escolhidos por um método considerado
seguro para se tentar chegar a uma decisão isenta - o sorteio.
Este
princípio se encontra no artigo 103 da Lei Orgânica do Ministério Público de
São Paulo, onde Cassio Conserino atua. Ali se diz explicitamente que "toda
representação ou petição formulada ao MP será distribuída entre os membros da
instituição que tenham atribuições para apreciá-la". O mesmo espírito, com
palavras semelhantes, se encontra na resolução número 13 do Conselho Nacional do
Ministério Público.
No
caso da investigação sobre Lula e Marisa, isso não ocorreu - e isso levou o
deputado Paulo Teixeira (PT-SP) a entrar com uma representação que questiona a
escolha para conduzir a investigação.
Numa
atitude que dirimiu qualquer dúvida sobre sua parcialidade, em janeiro o
procurador disse a VEJA ter elementos de
convencimento para denunciar Lula e Marisa
por ocultamento de patrimônio. Errou na forma - a Justiça se manifesta
pelos autos - e pelo conteúdo, pois não conseguiu apontar nenhum fato para
sustentar suas suspeitas.
O
ponto essencial é que Consarino assumiu o caso, em agosto do ano passado, sem
respeitar o princípio do procurador natural. Ele recebeu uma representação de
um escritório de advogados que defendem clientes que se consideram lesados pela
cooperativa dos bancários, Bancoop, primeira responsável pela construção do
edifício no Guarujá. Mesmo que não existisse o artigo 103 da Lei Orgânica e nem
a resolução 13 do CNMP, o simples fato de ter sido escolhido por uma das partes
de um conflito encaminhar uma representação já deveria ser razão suficiente,
baseada no simples bom senso, para Consarino entregar o pedido para ser levado
a sorteio.
Tanto
é assim que as coisas devem funcionar que, na decisão de ontem, os conselheiros
aprovaram, por unanimidade, o voto do relator Valter Shuenquener. Numa
referência aos tempos passados, mas que fazem estranho eco nos dias que correm,
ele chega a dizer que o país não pode voltar ao tempos dos "procuradores
de encomenda". Shuenquener afirma, essencialmente, o seguinte:"o
princípio do promotor natural impõe que todo cidadão tem o direito de ser
investigado e acusado por um órgão independente do MP escolhido segundo prévios
critérios abstratos e não casuisticamente." São palavras claras. Definem um
princípio permanente, que, como disse Shuenquener, que é juiz federal, deve ser
assegurado a "todo cidadão". Isso deveria incluir Lula e sua mulher,
Marisa, certo? Errado.
Os
mesmos conselheiros aprovaram, no mesmo dia, no mesmo debate, uma exceção a regra
que haviam acabado de confirmar. Os casos já
distribuídos "ficam como estão." Ou seja: justamente a vítima
que entrou em ação contra uma injustiça, demonstrando que tinha razão no ponto
de vista do conceito, terá de aturar a injustiça e o erro. Lula e seus
advogados têm razão - mas isso só vale para os outros. A barbeiragem é grande,
não custa admitir. A Lei Orgânica do Ministério Público é de 1993. Está em
vigor há 23 anos. A resolução do CNMP é de 2006.
Perguntas:
ninguém sabia destes princípios? Não aprendeu que deveria zelar por seu
cumprimento? O que acontece agora?
Em
vez de corrigir aquilo que todos reconheceram conceitualmente que estava
errado, preferiu-se cumprir uma jurisprudência inesquecível anunciada por um
dos principais integrantes da força tarefa da Lava Jato, aquela que ensina que
não se deve "mexer em bosta seca."
Na
mesma tarde, entre muitos discursos protocolares, os conselheiros excluíram - e
fizeram isso publicamente, à vista de todos, inclusive jornalistas - Luiz
Inácio Lula da Silva e sua mulher, dona Marisa, daquele conjunto de pessoas, em
teoria os 200 milhões de brasileiros, a quem o Ministério Público tem o dever
de assegurar direitos reservados a "todo cidadão".
Por
um instante, foi como se Lula estivesse de volta ao Brasil de 60 anos atrás,
percorrendo o país na carroceria do caminhão pau-de-arara que trouxe sua
família do interior de Pernambuco para São Paulo, criança de um universo de
excluídos, tratados sem dignidade nem respeito, em permanente combate, quase
animal, contra a fome, o frio, a doença, a fraqueza. Mas foi só um instante.
Ex-presidente
da República, líder de um processo político que obteve avanços históricos na
luta contra a miséria e a desigualdade, a decisão do Conselho confirmou a
condição de Lula como perseguido político. Negou-lhe aquilo que reconhece ser
um direito de todos. Não vale para Lula, sabemos agora. Talvez não valha para
muitos outros, é verdade. Mas sabemos quem é Lula no Brasil de 2016 e o que
representa.
Mais
um sinal está dado, certo?
Pela
resolução de ontem, é possível até imaginar uma hipótese. Se, um dia, o
Ministério Público por acaso vier a acatar o pedido de investigação das
acusações da jornalista Mirian Dutra contra Fernando Henrique Cardoso, a
apuração será conduzida por "promotor natural" com base "em
critérios abstratos", que visam eliminar preferências políticas capazes de
contaminar os trabalhos.
Enquanto
isso, o procurador Cassio Conserino terá direito a chamar Lula e Marisa para
serem interrogados. Já podemos imaginar o próximo passo, certo?
A
decisão não poderia ser mais clara, vamos combinar.
Fonte:
carcara
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