PAULO
MOREIRA LEITE
O
jornalista e escritor Paulo Moreira Leite é diretor do 247 em Brasília
Ao
recusar-se a comparecer para prestar depoimento ao Ministério Público, Luiz
Inácio Lula da Silva tomou uma decisão exemplar de resistência contra abusos
cometidos pela Lava Jato. É um gesto excepcional numa situação de exceção
escancarada.
Não
custa lembrar que há uma semana, julgando um pedido da defesa para que o
procurador Cassio Conserino fosse afastado das investigações sobre Lula, o
Conselho Nacional do Ministério Público tomou uma decisão com base na melhor
jurisprudência de Pôncio Pilatos. Reconheceu que a escolha de Conserino não
atendera os preceitos elementares da boa Justiça, que envolvem a escolha
procurador natural – termo empregado para definir a opção mais neutra possível.
O
Conselho definiu que o Ministério Público de São Paulo deve cuidar para que
esses critérios sejam obedecidos – obrigatoriamente -- em todo caso a ser
investigado. Mas abriu uma exceção para que uma decisão baseada em bons
princípios democráticos ficasse limitada ao plano da teoria. Na mesma
resolução, decidiu-se que a regra só deveria valer para casos novos. Assim, na mais relevante – do ponto de vista
político – investigação do Ministério Público de São Paulo, imperam regras que
o Conselho Nacional considera erradas. Não é apenas absurdo, pois equivale a legalizar
um erro admitido e reconhecido por todas as partes, num texto aprovado por
unanimidade. Também permite um tratamento de exceção quando a Constituição
garante que todos são iguais perante a lei.
A
atitude de Lula coloca o debate sobre a Lava Jato no plano adequado. Há muito
tempo se pode demonstrar que a operação deixou de ser uma investigação
necessária contra denúncias de corrupção na Petrobras. Tornou-se uma ação de
caráter político e seletivo, destinada a perseguir e lideranças ligadas ao Partido
dos Trabalhadores e aos governos Lula-Dilma e seus aliados, inclusive grandes
empresários que participaram de um projeto que permitiu o crescimento interno,
ampliou investimentos produtivos e estimulou a criação de um mercado de massas.
Ao
demonstrar a disposição de resistir a uma situação de abuso, Lula está enviando
uma mensagem clara ao país. Fala de injustiça numa linguagem que o cidadão
comum pode entender. Todo mundo é favorável ao cumprimento da lei, mas ninguém,
em especial os mais pobres, deixa de reconhecer uma situação de perseguição e a
injustiça, em particular contra aqueles que se mobilizaram na defesa dos mais
fracos.
O
destino do publicitário João Santana, em Curitiba, realizada depois que ele fez
sucessivos pedidos -- voluntários -- de prestar esclarecimentos ao juiz Sérgio
Moro, e mesmo assim foi preso sem que sua culpa tenha sido formada, mostra com
clareza solar o ambiente político em que o país se encontra.
O
que se pretende é usar a prisão como forma de coerção psicológica para obrigar
pessoas suspeitas a se autoincriminar e delatar contra a própria vontade, o que
a Lei não permite. As prisões podem ser legais. Sua finalidade não é.
O
estudo das grandes tragédias políticas deixa uma lição comum: os abusos, a
violência e os ataques as liberdades públicas e direitos individuais sempre
serão mais intensos, mais graves, e mais duradouros, quanto menor for a
resistência oposta a eles.
Já
a vergonha das novas gerações costuma crescer na exata proporção em que se
verifica a omissão daqueles que tinham a responsabilidade de reagir.
Até
hoje se discute se os líderes do governo Goulart deveriam ter reagido, ou não,
ao golpe de 1964.
Não
há dúvida de que o silêncio das vítimas do terror de Josef Stalin, na década de
1930, foi de grande valia para a consolidação de uma ditadura na antiga União
Soviética, que chegou a enviar dissidentes para campos de concentração e também
interná-los em campos psiquiátricos.
Sem
abandonar, por um minuto, a condenação do nazismo, estudiosos do século XX
ponderam se as lideranças judaicas poderiam ter sido mais atuantes na atuação
contra Adolf Hitler.
As
imensas diferenças entre estes casos e a atual situação brasileira são
evidentes. Não precisam ser mencionadas. Fica o ensinamento básico de que o
silêncio só favorece o opressor.
Essa
é a importância da reação de Lula.
Fonte:
brasil247
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