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ONDA APÓS ONDA, O BARCO AINDA FLUTUA

Imagem: Fátima Miranda




Fomos colonizados pelos portugueses e, por causa deles, carregamos o sangue lusitano no corpo (com uma boa dose de lirismo, além da sífilis, é claro). Gostamos de fazer piada e taxá-los de burros, simplórios, inofensivos, inocentes. Também os culpamos por todos os nossos atos inescrupulosos, numa clara mania de transferir ao outro a nossa plena ignorância e amoralidade. Ademais, a história de Portugal, para muitos, acaba em Pedro Álvares Cabral, como se o único ato dos nossos "descobridores" foi justamente o de nos "descobrir", e esquecem que a nossa ancestralidade e, principalmente, língua descendem dos "homens-chacotas".

Portugal, assim como mais da metade do planeta Terra, absorveu o nacionalismo efervescente da década de 30, instaurando, em 1933, o salazarismo, regime político que pôs fim ao liberalismo no país e inaugurou um período histórico de 41 anos de governo com aspectos fascistas, autocrata e corporativista, quando, por 35 anos, esteve sob o comando de Antônio de Oliveira Salazar, professor universitário que comandara o Ministério das Finanças, em 1928, e se destacara nessa tarefa. Doutrinário e normativo, o salazarismo caracterizou-se, acima de tudo, pelo seu teor nacionalista, tradicionalista, autoritário, antidemocrático, colonialista, anticomunista e antiparlamentarista.

Em 1974, Portugal era um país atrasado, isolado na comunidade internacional, embora fizesse parte da ONU e da Otan. Era o último país europeu a manter colônias e vinha travando uma longa guerra contra a independência de Angola, Moçambique e Guiné. O regime de Salazar havia conseguido manter-se através da repressão e fora tolerado pelos países vencedores da Segunda Guerra Mundial. Mas, para delírio da democracia portuguesa, chegou o dia 25 de abril daquele ano. Com a sua festejada Revolução dos Cravos, a liberdade em Portugal começou com a transmissão, pelo rádio, de uma música até então proibida (GRÂNDOLA, VILA MORENA). Os cravos enfiados pela população nas espingardas dos soldados acabaram virando o símbolo da revolução, que encerrou, ao mesmo tempo, 48 anos de ditadura fascista e 13 anos de guerra nas colônias africanas. A esquerda europeia viu em Lisboa um palco ideal para os movimentos frustrados de 1968. E, fortemente engajada, mostrou sua força na capital, enquanto trabalhadores rurais do Alentejo expulsavam latifundiários e banqueiros eram desapropriados.

No mesmo período, vivíamos, aqui no Brasil, um modelo de governo parecido ao dos irmãos d'além-mar. E, assim como lá, haviam cá aqueles defensores de podermos ter o direito de escolha, de expressão, de voto. Logo, sugerindo ao povo brasileiro pegar o exemplo dos portugueses, Chico Buarque suplicou a Portugal, mesmo que fossem parcas sementes, alguns cravos para que pudéssemos fazer uma revolução também. E, já no fim da letra e música, a súplica continua atual: "manda novamente algum cheirinho de alecrim!". Eis a linda, subversiva e guerreira TANTO MAR: https://www.youtube.com/watch?v=ST30-i7cZJk

Ao traçar um paralelo entre as situações dos dois países de língua portuguesa, víamos, naquela época, tanto do outro lado do oceano Atlântico quanto em terras tupiniquins, partidos e movimentos políticos proibidos, prisões políticas cheias, líderes oposicionistas exilados, sindicatos fortemente controlados, greve proibida, demissões fáceis e a vida cultural estritamente vigiada. O que me entristece é saber que a tal R(D)eforma Trabalhista proposta pelo ilegítimo (des)governo Temer, prestes a ser votada em Senado Federal, pode trazer de volta toda essa agonia para o trabalhador brasileiro, exaurindo todas as conquistas efetuadas através de lutas e mobilizações da classe propulsora deste país grande e bobo. Assim, finalizo reiterando o pedido do combatente Chico na versão proibida pela censura brasileira da música supracitada a fim de mobilizarmos e enterrarmos essa indecorosa proposta: "manda urgentemente algum cheirinho de alecrim!".



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