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DEBATE SOBRE DIRETAS PODE CHEGAR AO TSE



247 - Marcado para terça-feira, dia 6, o julgamento de Dilma e Temer pelo TSE é um desses acontecimentos ilustrativos da tragédia institucional que domina a conjuntura política iniciada pela AP 470 e dominada, a seguir, pela Lava Jato.

Como já repeti neste espaço, estamos falando de iniciativas necessárias de combate à corrupção que se transformaram em ataques à democracia.

Embora tenha perdido a presidência da República em abril de 2016, basta ouvir o ponto de vista de seus advogados, apresentados numa entrevista coletiva em São Paulo, para reconhecer que Dilma tem argumentos consistentes para defender sua inocência.

Qualquer que seja sua opinião sobre o caso, convém lembrar um traço essencial da situação em que se combate por Direito e Justiça no país.

O insuspeito Estado de S. Paulo publicou em 1 de junho de 2017 um editorial chamado "É isto a Justiça?" onde denuncia as delações premiadas, empregadas tanto para obter denúncias na Lava Jato como para alimentar acusações no TSE, da seguinte forma: "as delações premiadas se tornaram instrumentos eminentemente políticos."

Neste ambiente, os advogados de Dilma apontam contradições notáveis no depoimento de vários delatores na linha de frente das acusações a Dilma, inclusive do marqueteiro João Santana e a mulher Monica Moura. Também denunciam que não tiveram acesso ao conjunto de depoimentos que, embora servindo de munição contra sua cliente, também poderiam ser úteis para demonstrar erros e omissões na denúncia -- desde que tivessem acesso à íntegra da documentação, o que não ocorreu. 

Assista ao vídeo abaixo:


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Num esforço necessário para se chegar à origem de história lamentável que será retomada no TSE, não custa lembrar que a causa original da aberração encontra-se na atuação de Aécio Neves, personagem principal de uma trama onde aquilo que parece nunca é. Hoje ocupado em escapar do segundo pedido de prisão da Procuradoria Geral da República, há dois anos e meio o mesmo Aécio foi o elemento detonador da máquina jurídica-midiática- política que se mostrou responsável por um julgamento que deveria ter sido encerrado em 10 de dezembro de 2014, quando as contas de campanha foram aprovadas.

Tempos mais tarde, numa demonstração de arrogância que humilha cada um dos 140 milhões de eleitores registrados no pleito de 2014, Aécio explicou a motivação verdadeira para ir para cima da candidata vitoriosa com um argumento que tem a frivolidade típica de um playboy. Só queria "encher o saco", disse, em conversa gravada nas investigações em torno de suas conexões com Joesley Batista.

A partir de uma jurisprudência própria do universo exclusivo de uma elite com fortuna gigantesca, interesses globalizados e poderes ilimitados, um judiciário particularmente vulnerável a todo tipo de pressão política gerada no patamar superior da pirâmide produziu o cenário de ruína em que se encontra o país de 2017. O julgamento no TSE é parte essencial deste processo. 

Oito dias depois da aprovação das contas, o ministro Dias Toffoli, na presidência do TSE, empossou Dilma com uma garantia: "não haverá terceiro turno." Houve, saberíamos depois. Em 2017, estamos no quarto turno -- como ocorreu no terceiro, este também é disputado nos bastidores dos aparelhos políticos-burocráticos, longe da vontade do povo.

As contas foram aprovadas, sim, mas com ressalvas, incluídas no voto do relator Gilmar Mendes. Essa janela permitiu, justamente, deixar todas as armas contra Dilma ao alcance da mão, sem desperdiçar nenhuma oportunidade de ataque. 

Os tempos de unidade de ação contra a candidata vitoriosa nas urnas já viviam uma fase de lua-de-mel, que um ano depois chegou ao apogeu. Atuando em sequência, Sérgio Moro e Gilmar Mendes bloquearam a nomeação de Lula na Casa Civil, no golpe de misericórdia contra um governo que nunca foi capaz de se firmar. 

Denunciado no STF em dezembro de 2015, Eduardo Cunha só foi afastado da presidência da Câmara em 5 de maio, 18 dias depois de conduzir a votação que afastou a Dilma do Planalto.

Chega-se assim ao julgamento de terça-feira que será, no fundo, um momento de anacronismo.

Três anos depois, a espúria motivação principal -- afastar Dilma de qualquer maneira -- já se realizou mas é preciso cumprir aparências e ritos. A crescente oposição a Michel Temer, inclusive por parte de aliados incondicionais da véspera, explica por que o TSE voltou a ser visto como atalho.

O julgamento é a história que não poderia ter sido. Fatos duros como minério se transformaram em matéria líquida e são encenados como ficção barata que ninguém teve capacidade de encerrar antes que o vexame se tornasse irremediável. Infiltrado de cima abaixo por interesses políticos e outras forças estranhas ao Direito e ao exame sereno de fatos e provas, restaram ao processo poucas esperanças para uma decisão isenta. A perspectiva é de novas piruetas.

A única certeza sobre o julgamento é que haverá um pedido de vistas, conveniente para Temer, que, salvo turbulências a margem da Justiça Eleitoral, permanece no cargo até decisão em contrário. Previsto para durar 3 dias, neste caso o fim do julgamento pode se transformar num mistério -- ainda que um dos implicados seja o presidente da República, o que torna tudo mais grave. 

O debate político de fundo sobre decisões de mérito envolve outros aspectos, porém.

Ao menos em teoria, os ministros irão debater três possibilidades. Uma delas é declarar que Dilma e Temer são inocentes. Isso implica em reescrever a história que vem sendo escrita desde que Aécio contestou a contagem dos votos de 2014. 

Outra possibilidade é a separação da chapa, processo que levaria a condenar Dilma e inocentar Temer. O problema é que a argumentação favorável a essa tese, criada pela defesa de Temer, perdeu validade real depois que o executivo Octavio Azevedo, da Andrade Gutierrez, admitiu um depósito de R$ 1 milhão numa conta controlada pelo vice.

Resta a terceira hipótese, a cassação da chapa. 

Herman Benjamin, o ministro relator, tem demonstrado uma postura de quem está satisfeito com os indícios encontrados, sem paciência, inclusive, para atender solicitações da defesa, seja de Dilma, seja de Temer. Já chegou dizer que não pretendia levar o caso para os tempos de Adão e Eva. São sinais que, na corte, são vistos como demonstração de uma convicção formada, sobre a culpa das duas partes. 

Se essa postura se confirmar no TSE, e receber o apoio de uma maioria de ministros, estará aberto o caminho para a queda de Temer e o debate sobre a escolha de seu sucessor. Neste caso, o debate sobre diretas pode receber um reforço inesperado.

Embora a Constituição determine que, numa circunstância como a atual, o presidente da República que será encarregado de encerrar o mandato até 2018 deve escolhido por via indireta, um artigo específico da legislação eleitoral determina uma nova eleição. Foi o que se decidiu na escolha do governador do Amazonas, quando o titular e o vice foram cassados. O mesmo processo ocorreu em duas prefeituras, onde se repetiu uma situação semelhante.

O mesmo caso irá se repetir no caso da chapa presidencial? Ninguém sabe. A questão envolve a presidência da República e um artigo específico da Constituição. O peso é outro.

Mas juristas favoráveis a uma escolha pelo voto direto argumentam que a Constituição trata do crime de responsabilidade, enquanto a decisão do TSE envolve crimes eleitorais. O argumento é que seriam casos de natureza diferentes. Num país onde a ideia de garantir a escolha por voto direto conta com apoio de mais de 80% dos brasileiros, não há dúvida qual solução atenderia a vontade da maioria. 

Como é fácil perceber, volta-se ao debate sobre democracia. Considerando a muralha de interesses em contrário, pode-se prever um conflito duríssimo -- em todas as fases do debate. Mais uma vez, está claro que nenhum personagem da cena política consegue se mover sem se manifestar sobre as diretas. 

Pela mesma razão, Temer e seus aliados tudo farão para travar o julgamento. Alguma dúvida? 

(Texto atualizado em 3/6/2017).




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