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Maria Thereza fala ao JOTA sobre caso Adriana Ancelmo



JOTA - Maria Thereza de Assis Moura é daquelas juízas que só fala nos autos do processo. Exclusivamente. Como ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) nunca concedeu uma entrevista. Costuma dizer, conforme os colegas, que as informações de que a sociedade necessita sobre sua atuação estão em seus votos e suas decisões públicas.

Mas essa discrição cobra um preço. Na semana passada, ao anular uma decisão do Tribunal Regional Federal da 2a Região (RJ e ES) que conflitava com a jurisprudência pacífica do STJ, foi alvo de críticas e de acusações (Leia mais).

A paciente era Adriana Ancelmo, mulher do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral. Ambos são investigados por suspeita de envolvimento no esquema de corrupção no estado.

Na mesma hora começaram as críticas, como se tivesse partido dela a decisão de conceder o benefício da prisão domiciliar para Adriana Ancelmo. Em razão dos ataques, o presidente da 6a Turma do STJ, Rogerio Schietti, fez um desagravo à ministra na quinta-feira (Assista ao vídeo).

E a ministra, em razão das dúvidas a respeito do caso, aceitou falar ao JOTA. Nesta entrevista por escrito, a primeira em 11 anos como juíza, a ministra Maria Thereza lembra que, em dezembro do ano passado, ela negou pedido de habeas corpus em favor de Adriana Ancelmo, explica detalhadamente o roteiro do caso e diz por que decidiu este e outros processos de Paris (França).

“Adriana Ancelmo impetrou habeas corpus com pedido de revogação da prisão preventiva ou a concessão de prisão domiciliar, alegando a necessidade de cuidar de filhos menores, já que também o marido está preso. A liminar foi negada por mim”, ela recorda.

Relatora dos processos relacionados à Operação Calicute, uma das fases da Lava Jato e que atingiu principalmente o ex-governador Sérgio Cabral, a ministra Maria Thereza não quis falar sobre as investigações ainda em curso.

Leia a entrevista:

JOTA: A senhora concedeu prisão domiciliar à Adriana Ancelmo? A senhora analisou o mérito ou decidiu apenas uma questão processual?

Min. Maria Thereza: Tecnicamente, não foi a minha decisão que concedeu a prisão domiciliar à Sra. Adriana Ancelmo. Um rápido resumo cronológico explica bem a situação. Em dezembro de 2016, a defesa da Sra. Adriana Ancelmo impetrou habeas corpus com pedido de revogação da prisão preventiva ou a concessão de prisão domiciliar, alegando a necessidade de cuidar de filhos menores, já que também o marido está preso. A liminar foi negada por mim. Em março, porém, o juiz de primeiro grau Marcelo Bretas concedeu a prisão domiciliar para a acusada, mediante condições que estabeleceu. Inconformado, o Ministério Público Federal interpôs mandado de segurança para dar efeito suspensivo ao recurso cabível, que ainda seria interposto. Já no TRF, o relator concordou com a alegação do MPF e concedeu liminar suspendendo a decisão do juiz de primeira instância.

A defesa da Sra Adriana Ancelmo recorreu ao STJ. Havia, então, claramente uma questão processual a ser enfrentada. O mandado de segurança, ferramenta jurídica escolhida pelo MPF, não cabe quando existe recurso previsto. Ou seja, trata-se de um meio processual que não é aceito pela jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. Foi essa a alegação da defesa no último habeas corpus impetrado no STJ, com pedido liminar para que fosse suspensa aquela decisão proferida pelo Desembargador do TRF.

Sendo assim, diante da jurisprudência pacífica da Corte, concedi liminar, restabelecendo a decisão do juiz Marcelo Bretas, até que o Tribunal Regional Federal aprecie o recurso em sentido estrito, que analisará se a decisão do juiz está ou não correta.

Ou seja: não entrei no mérito do direito ou não de Adriana Ancelmo, relativamente à prisão domiciliar. A questão foi meramente processual, para reconhecer que o instrumento utilizado pelo Ministério Público foi inadequado, devendo-se aguardar a decisão final do TRF acerca do assunto.

A senhora não poderia, de alguma forma, conceder a liminar no Habeas Corpus, anulando o erro processual, mas encontrando alguma maneira de manter Adriana Ancelmo presa em Bangu?

O pedido do habeas corpus agora impetrado pela defesa diz respeito apenas à questão de não ser cabível o mandado de segurança para prender novamente a acusada antes do julgamento do recurso em sentido estrito. Nada mais do que isso. Além disso, não seria possível conceder uma liminar para anular a decisão do tribunal e em seguida analisar o mérito da decisão que concedeu a prisão domiciliar pelo juiz de primeiro grau. E por que não poderia? Por que o recurso que analisa o mérito da concessão da domiciliar ainda está para ser analisado pelo Tribunal Regional Federal. Só depois é que deve chegar ao STJ.

A senhora já negou pedidos de prisão domiciliar para outras mães. Como avalia essa questão legal?

A possibilidade de prisão domiciliar para mulheres que possuem filhos menores passou a ser regulada pelo Código de Processo Penal no ano passado, que estabelece a necessidade de cumprimento de alguns requisitos para tal fim. Todos os casos que chegam são analisados levando em consideração a situação específica trazida e se os requisitos foram cumpridos. Aqui cabe um esclarecimento sobre outro caso recente, também divulgado pela imprensa, no qual indeferi liminarmente o habeas corpus a uma detenta mãe de dois menores de idade. Foi outro processo em que não analisei o mérito. Neguei o habeas corpus porque o Tribunal de Justiça de São Paulo sequer havia analisado o mérito, incidindo na hipótese a Súmula 691 do STF (“Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar”).

O benefício não é automático, devendo ser analisado caso a caso, de acordo com o disposto na lei. Já concedi várias liminares e neguei outras, assim como todos os demais colegas.

A senhora sofreu várias críticas e ataques pessoais em razão da decisão e das interpretações sobre a decisão. Como a senhora lidou com isso e como avalia a reação dos jornais e da sociedade?

As críticas são saudáveis quando feitas de maneira respeitosa, como ressaltado pelo ministro Rogerio Schietti. Mas os ataques pessoais dirigidos a qualquer magistrado sem o menor conhecimento do conteúdo da decisão, e quiçá até mesmo sem a devida leitura do processo, demonstram que vivemos momentos difíceis e extremados no país. Lamento quando percebo ataques que transbordam o limite do racional e do que se pode esperar de uma sociedade que vive em um Estado Democrático de Direito. A livre manifestação deve sempre se respaldar nos limites éticos e de respeito às pessoas. Afinal, o julgador aprecia a causa e aplica o direito, e isso vale para todos os que estão submetidos a um processo. E no caso concreto, quem concedeu a prisão domiciliar foi o juiz de primeiro grau. E sobre isso pouco se falou, enquanto se multiplicaram ofensas de baixíssimo nível e questionamentos da minha integridade moral e técnica, o que não posso aceitar, sob nenhuma hipótese.

A crítica que foi feita neste processo tem como pano de fundo a percepção da sociedade de que a Justiça trata de forma mais benéfica pessoas com dinheiro ou poder. Como a senhora se posiciona em relação a isso?

A ideia de que a Justiça trata de forma mais benéfica pessoas com dinheiro ou poder está incutida na Sociedade, a meu ver, por várias razões, dentre elas a visão de que em regra estas pessoas têm melhores condições de contratar bons advogados. Isto me faz recordar a palestra do ministro Luís Roberto Barroso, em evento no STJ, que abordou bem o tema ao dizer que menos de 1% das pessoas presas cometeram os chamados crimes do colarinho branco. Mas a Justiça é feita para todos, indistintamente, pobres e ricos. Nesse sentido, as Defensorias Públicas têm feito excelente trabalho e o número de habeas corpus concedidos no STJ a réus pobres é muito grande. A diferença, penso, é de que essas decisões raramente são divulgadas pela imprensa, porque não possuem tanto impacto midiático. Exemplo disto está justamente no fato de que muitos desconheciam a possibilidade legal (repito: não analisada quanto ao mérito no caso de Adriana Ancelmo) da prisão domiciliar para mulheres com filhos menores nas situações previstas em lei. Eu mesma e os demais colegas já concedemos vários habeas corpus neste sentido, mas estas decisões nunca chamaram a atenção da imprensa e do público em geral.

Por que a senhora decidiu sobre o caso Adriana Ancelmo em Paris?

Quando o habeas corpus da Sra. Adriana Ancelmo foi distribuído, eu estava em missão oficial do STJ na França, a convite da Embaixada da França no Brasil. A viagem se deu em razão de cooperação internacional, com reuniões de trabalho na Corte Europeia de Direitos do Homem, na Escola Nacional da Magistratura e na Corte de Cassação. Participei da missão na condição de Diretora-Geral da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento dos Magistrados, a ENFAM. Eu arquei com todas as despesas da viagem pessoalmente, para não onerar o tribunal. E, durante o período da missão, eu despachava normalmente não só as liminares que foram distribuídas, como também outros processos. Só para se ter uma ideia, despachei naquele período mais de 60 liminares, sem falar em inúmeras outras decisões e até mesmo um habeas corpus que entrou no plantão do fim de semana. É importante lembrar que todos os processos do STJ são eletrônicos e temos acesso direto ao seu conteúdo, decidindo o que se fizer necessário, ainda que fora do tribunal ou no exterior. Assim, o caso Adriana Ancelmo mereceu a mesma atenção que foi dada a todos os demais casos que me chegaram durante o período em que estive, a trabalho, na França.




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