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Desembargador diz que "Juiz não é justiceiro"

Guilherme de Souza Nucci é professor de Direito Penal da PUC-SP


Do vermelho

"Juiz não é justiceiro", afirma Guilherme Nucci sobre Lava Jato


Com status de celebridade, o juiz Sérgio Moro, responsável pelo processo da Lava Jato em primeira instância, foi surfar na sua fama em Buenos Aires, na Argentina, onde foi recebido com entusiasmo pelo governo de Mauricio Macri.


Por Dayane Santos

Segundo reportagem do El País, Moro participou de palestra na Universidade Católica, que contou com a participação de Laura Alonso, diretora do Escritório Anticorrupção do governo argentino. Em resposta a uma pergunta de Laura, Moro afirmou que a principal sustentação da Lava Jato é o apoio da opinião pública, que serviu como “proteção”.

Moro, se colocou na posição de vítima, repetindo várias vezes que sofreu pressões, mas enfatizou que uma das melhores decisões que tomou foi tornar públicas todas as audiências.

“É importante que a opinião pública possa controlar o que está acontecendo, saber o que a Justiça está fazendo. Isso permitiu que houvesse um grande apoio da opinião pública e serviu como proteção da Justiça porque, quando pessoas poderosas estão envolvidas, há grande risco de obstrução, há pressões. Milhões saíram às ruas, protestaram contra a corrupção e apoiaram as investigações”, afirmou.

Para o desembargador Guilherme de Souza Nucci - um dos mais conceituados doutrinadores nas áreas do Direito Penal e Processo Penal do país -, a tática da Lava Jato em se sustentar na opinião pública é um erro e uma violação aos preceitos constitucionais.

“Quando uma força-tarefa, seja de que espécie for, passa da conta, invade o campo da ilicitude pratica, sim, abuso de autoridade e começa a contar com apoio popular para se segurar, tem alguma coisa errada”, afirmou o jurista durante palestra proferida na Faculdade de Direito da FMU, em São Paulo, em março.

Guilherme de Souza Nucci é professor de Direito Penal da PUC-SP, autor de mais de 30 livros sobre os mais diferentes temas jurídicos se tornou referência na área penal sendo um dos doutrinadores mais citados no julgamento da Ação Penal 470. 

“Eu aprendi que um juiz não tem que dar opinião política. Não tem que se meter na vida política de um país. Não pode nem ter filiação político-partidária. E de repente vemos acontecimentos políticos em que uma vara, aquela da República de Curitiba, emite uma nota sobre o assunto. O que aconteceu com o Judiciário brasileiro? Resolveu participar da vida política? Não é nossa função, nunca foi e nunca deve ser, senão vamos exigir juízes eleitos pelo povo. Vamos virar as costas para o nosso sistema de concursos públicos, que pressupõe imparcialidade, e vamos colocar os juízes nos partidos políticos, como é nos Estados Unidos, e seja o que Deus quiser”, argumenta Nucci.

Ele se refere a nota emitida pelo juiz Sergio Moro no auge dos atos em apoio ao golpe contra o mandanto da presidenta Dilma Rousseff, em 13 de março de 2016. Na época, Moro disse em nota que ficou tocado pelo apoio que recebeu nos protestos. "Importante que as autoridades eleitas e os partidos ouçam a voz das ruas e igualmente se comprometam com o combate à corrupção, reforçando nossas instituições e cortando, sem exceção, na própria carne, pois atualmente trata-se de iniciativa quase que exclusiva das instâncias de controle", disse o juiz.





Lava Jato já deu um prejuízo bastante grande para o país

Na Argentina, segundo o El País, Moro seguiu o discurso de 2016 e disse que, diferentemente do que dizem os críticos, a Lava Jato não é uma operação política feita para atingir PT e aliados do governo Dilma Rousseff. Segundo ele, vários partidos dirigentes de diferentes partidos foram implicados no processo. Ele garantiu ainda que o resultado final será positivo para o país. “O Brasil está dando passos importantes para enfrentar a corrupção sistêmica. Acima de tudo, a Lava Jato serve para reforçar a democracia do Brasil”, disse.

Nucci, no entanto, rebate essa tese propagada por alguns setores, inclusive do próprio juiz Moro, de que a Lava Jato é a salvação do combate à corrupção.

“A Lava Jato não vai resolver todos os problemas e o que me preocupa - e tenho falado isso sempre, ainda que tenha que falar sozinho -, ainda vai trazer novos problemas”, afirma ele.

Para o jurista, “a Lava Jato já deu um prejuízo bastante grande com divulgações de conversas privativas, que constitui crime, com conduções coercitivas que não estão em código nenhum do Brasil e do mundo”. 

Condução coercitiva e delações

Sobre as conduções coercitivas e as delações, o jurista também manifesta sérias preocupações com os efeitos que tais medidas tem provocado nos direitos e garantias fundamentais dos indivíduos. 

Entusiasta da Operação Mãos Limpas (Mani Pulite), da Itália - processo que destruiu esvaziou a classe política italiana nos anos 90, Moro disse que a biografia de Giovanni Falcone, juiz que comandou a Mãos Limpas, é o seu livro de cabeceira. Disse ainda que se baseia no modelo de confissões dos chamados de "arrependidos" da operação italiana para promover as delações premiadas.

“Nesses delitos de corrupção as únicas testemunhas são os próprios corruptos, o que paga e o que recebe... Um criminoso confesso receberá uma punição menor do que lhe caberia. Mas, se nos apresenta provas relevantes para incriminar outros, compensa. Costumamos fazer com o criminoso de menor nível que delata o chefe. Essa colaboração sempre tem um preço, mas também seria injusto ir somente contra a base e não a cúpula da organização. É preciso pagar o preço. Na Lava Jato também foi importante a utilização da prisão preventiva, que sempre é uma exceção, mas foi muito útil”, justificou o juiz da Lava Jato.





Juiz não é justiceiro

Contudo, para o desembargador e criminalista Guilherme Nucci, essa é uma das maiores violações cometidas no processo da Lava Jato. 

“Onde está na lei que para se conseguir uma delação tenha que prender? Ou seja, que está é a forma de conseguir [a delação]. Representantes do MPF dizem: ‘Ora, como você quer que o indivíduo delate? Tem que prender para deixar o cara esgotado, pois é assim que ele delata’. Não. Delação é uma coisa. É colaboração premiada é feita para não cumprir pena, mas ninguém tem que prender para obrigar a ser delator... É uma imoralidade grotesca”, asseverou o jurista.

Nucci frisou ainda que , em 2013, saudou a sanção da lei que trata sobre a delação premiada. “Quando dei a primeira palestra após a lei ter sido promulgada acreditava que era uma medida acertada e que poderíamos progredir com esse instituto. Hoje, quase quatro anos depois, o que estou vendo são abusos”, destacou.

Ele salientou que as violações cometidas pela Lava Jato recaem sobre toda a Justiça em efeito cascata. “O pior é que abuso pega. Assim que a autoridade judiciária analisou essas conduções coercitivas [recursos dos advogados no TRF da 4ª Região] e foi absolvida no seu tribunal, juízes de outras partes do pais começaram a decretar conduções como essa”, disse.

“Juiz não é justiceiro”, adverte o jurista. “Nós dependemos do Judiciário para os nossos problemas maiores. O dia que precisarmos da proteção de direitos civis e garantias individuais nós vamos chorar lágrimas de sangue, pois está cheio de juízes que estão gostando dessa história para aparecer na televisão. Não é assim que se faz justiça”, conclui. 

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