Empossados
os novos governos, via de regra, é esperado que a população tenha uma
receptividade e uma tolerância maior com aqueles que estão iniciando a nova
gestão. Este período é conhecido no vocabulário político como “lua de mel”
entre população e o governo eleito. Lembremos que a gestão Fernando Haddad não
teve essa paciência por parte da população no início de seu governo, já que
ocorridas as manifestações de Junho de 2013, o humor político de São Paulo e do
país se contaminou.
Estes
primeiros 100 dias não são suficientes para que os novos governos entreguem
medidas concretas e consigam realizar transformações estruturais, mas é
fundamental para indicar para onde pretendem caminhar ao longo dos próximos 4
anos.
Em
São Paulo, superados os 100 dias, o que presenciamos é uma situação
contraditória, como se, ao mesmo tempo, houvesse duas cidades.
Existe
hoje uma São Paulo que, em média três vezes ao dia, é divulgada nas redes
sociais por um grande comunicador; uma cidade agitada, que acorda cedo e dorme
tarde; uma cidade que se movimenta, na qual o seu divulgador se locomove
diariamente, passando por diversos lugares, ora vestido de gari, ora de pintor.
Nessa cidade, as pessoas têm acesso ao que o comunicador realiza, podem
acompanhar sua agenda e com isso, acabam tendo a sensação de estarem
informadas, de que há uma cidade se modificando, melhorando a cada dia.
Esta
cidade é a mesma que aparece nos jogos da seleção brasileira de futebol como
“Cidade Linda”, em que “Linda” significa esconder as diferenças, as
contradições sociais; criar uma ilusão de que desigualdade social não existe,
formando-se, assim, uma cidade quase perfeita, sem as dificuldades existentes,
as quais precisam ser enfrentadas com seriedade e compromisso público e não com
atuação fantasiosa.
Por
outro lado, há uma outra São Paulo, uma cidade real e silenciada que aos poucos
e sem espaço na grande mídia para pedir socorro e divulgar o que está sofrendo,
vai se esfacelando.
Esta
São Paulo é a cidade que vê suas crianças perderem o transporte escolar no
início do ano letivo; uma cidade em que 700 mil alunos do ensino fundamental
ficarão sem leite, e aqueles que terão, receberão em menor quantidade, se antes
eram 2kg, agora será 1,2 kg para crianças de até 1 ano, e, 1 kg para estudantes
de até 6 anos.
O
investimento na abertura de vagas em creches, objetivo perseguido do início ao
fim do governo Haddad, obteve avanços consideráveis, totalizando 106 mil novas
vagas, diminuindo assim, uma fila que no início de 2013 era de 180 mil crianças
fora da escola. Este avanço foi possível a partir da iniciativa direta da
própria Administração Municipal e de parcerias com entidades educacionais.
Agora, o objetivo de abrir vagas em creches, será delegado para que entidades
privadas encontrem fórmulas para viabiliza-las, almejando números positivos e
descartando as condições em que se darão o aprendizado e o cuidado com as
crianças. A promessa, feita em campanha, pelo comunicador João Doria de zerar a
fila de espera das crianças por vagas em creches, no primeiro ano de governo,
foi prontamente descartada pelo atual secretário de Educação, Alexandre
Schneider. Não consta sequer do Plano de Metas apresentado pelo prefeito à
Câmara Municipal.
Na
mobilidade urbana, infelizmente, notamos um aumento de acidentes e mortes nas
marginais com a medida eleitoreira de aumentar a velocidade máxima permitida,
demonstrando nenhum compromisso público com a vida de cada ser humano que vive
ou transita por São Paulo, desrespeitando orientação da Organização Mundial de
Saúde para que os municípios do mundo todo reduzissem a velocidade nas vias.
Com
a medida de reduzir a velocidade, a cidade de São Paulo, com o então prefeito
Fernando Haddad, viveu por 19 meses sem nenhuma morte na Marginal do Tietê.
Agora, após o aumento de João Doria, em apenas dois meses (25/01 a 26/03),
houve um grande crescimento do número de acidentes (223) e ocorreram 3 mortes.
A
saúde da São Paulo virtual promovida por seu comunicador informa que a fila de
exames praticamente zerou. Entretanto, existe uma cidade real em que
aproximadamente 120 mil pessoas deixaram a fila de exame, sem, contudo,
realizar o exame. É triste ver, depois de muito esforço, farmácias populares
fechando, falta de remédios e hospitais quase prontos, abandonados.
Após
muitas batalhas e vitórias para a Cultura nos últimos 4 anos, com aumento de
orçamento e a elaboração de uma Política Municipal de Cultura, com inúmeras
iniciativas que promoveram a prática e o acesso a Cultura, incentivando a sua
democratização e descentralização, a São Paulo real vêm ferozmente cortando
investimentos, ao todo foram suprimidos 43% do orçamento, em que mais uma vez,
o setor mais penalizado será a periferia. Não fossem os movimentos sociais organizados
de Cultura, isto também ficaria em silêncio.
Enquanto
prefeito, Fernando Haddad se esforçou para criar pontes e oportunidades para
setores de São Paulo que muitas vezes são marginalizados das políticas públicas
e do dia a dia da cidade. Políticas como o “De Braços Abertos” e o
“Transcidadania” representaram para muitas pessoas o primeiro passo para sua
reinserção social e para uma vida mais digna. Entretanto, silenciosamente,
notamos estes programas serem desfeitos, e estas pessoas jogadas, mais uma vez,
para a margem da cidade, descartadas como se fossem objetos.
São
Paulo é múltipla, plural e diversa, onde cabem todas e todos, mas o que se
percebe, é que o novo governo conduz a cidade para que ela seja de poucos,
mantendo e aprofundando privilégios historicamente existentes. Na cidade
virtual se vê o prefeito apertando a mão do morador de rua, mas na cidade real
o que notamos é a intolerância, ódio e agressões a diversos setores.
É
divulgado com muita euforia que a cidade está ficando mais eficiente, sobretudo
porque agora, há capital privado, há parcerias chegando em São Paulo. A venda
de imóveis que pertencem à cidade, e, portanto, a todos nós, é divulgado como
se fosse a solução para os problemas cotidianos.
Ao
vender imóveis importantes como estádio do Pacaembu, o Anhembi, o Autódromo de
Interlagos e o mercadão Municipal, entre outros, São Paulo perde identidade,
perde história, mas em especial, perde patrimônio. Se antes o incentivo era
para que as pessoas se apropriassem da cidade, ocupassem os lugares, agora, o
objetivo é tirar estes espaços das pessoas, vender, fechar, restringir o acesso
a poucos privilegiados.
Existe
hoje, na sociedade brasileira, a necessidade de que as informações sejam cada
vez mais públicas, para que assim, possa haver acompanhamento, sugestões e
cobrança popular. O governo de João Doria faz justamente o contrário. Divulga
aquilo que garanta sua visibilidade e esconde reclamações, como ocorreu em relação
às demandas da população sobre questões de zeladoria.
Fernando
Haddad apresentou um Plano de Metas ousado, com 123 metas robustas, com etapas
bem definidas e objetivos concretos. Já João Doria, apresenta uma lista de 50
boas e tímidas intenções, sem método e caminhos delimitados para se alcançar e
de difícil acompanhamento, pois não têm metas físicas. O único dado certo e
apresentado é que as 80 promessas que o comunicador fez em campanha,
sorrateiramente, desapareceram.
Objetivamente,
temos hoje duas cidades, uma cheia de ilusões, divulgada na imprensa, em redes
sociais, cheia de curtidas e compartilhamentos, mas virtual. E outra real, que
vem perdendo conquistas, regredindo em civilização, ficando mais perigosa,
excluindo pessoas, aumentando as agruras daqueles que mais precisam de um poder
público presente na realidade, deixando assim, a cidade mais cinza, não só na
cor das avenidas, mas nas esperanças, nos sonhos, sobretudo, dos mais humildes.
Estas
duas cidades que hoje coexistem, mesmo que com pouco tempo, nos indicam algumas
consequências. A São Paulo virtual é uma tática demagógica para quem quer se
promover rapidamente e acumular poder para alçar outros vôos eleitorais. João
Doria ao implementar uma agenda de promoção pessoal e abandono da cidade real,
sinaliza que não seguirá prefeito por 4 anos. Por outro lado, ao se concretizar
os rumos apontados pelos 100 primeiros dias de seu desgoverno, chegaremos em
2020 com inúmeras perdas em todas as áreas, em especial para as pessoas mais
carentes, sacrificadas no fogo da vaidade por um suposto gestor que como
prefeito, terá sido um excelente marqueteiro de si mesmo.
Vitor
Marques, advogado e professor assistente em Direito Administrativo na PUC-SP;
está secretário municipal de Juventude do PT de São Paulo.
Fonte: brasil247
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