Por Alessandra Cardoso
Enquanto
olhávamos atônitos e reagíamos à primeira ação de desmonte do Estado
Democrático de Direito materializada pela Medida Provisória (MP) 726, deixamos
passar despercebida uma segunda MP, a 727, publicada no mesmo 12/5 em edição
extra do Diário Oficial da União, criando o Programa de Parcerias de
Investimentos – PPI.
Se
a MP 726, da reforma ministerial, concretizou a intenção dos articuladores do
golpe de extirpar da estrutura de governo representações e interesses de
minorias (e só secundariamente cortar despesas), a MP 727, por sua vez,
materializa o que há de mais estratégico e ideológico no projeto
político-econômico que está por trás do golpe.
É
ela que “garantirá”, caso o golpe chegue ao final, o sonho de consumo dos
neoliberais outrora acanhados e agora completamente excitados com a retomada do
Estado que lhes interessa, que é aquele que abre caminhos para seus lucros,
rebaixa seus custos sociais e trabalhistas, ignora condicionantes ambientais e
sociais, e confere a ordem para que seu progresso se faça.
É
esta a essência da MP 727:
1)
Retoma-se o processo de desestatização da economia conduzido por Fernando
Henrique Cardoso, entregando para a iniciativa privada as empresas estatais que
interessarem ao capital privado.
Está
clara, no texto da MP 727, a recepção integral da Lei N° 9.494 de 1997, que instituiu o Programa
Nacional de Desestatização. A Lei de 1997, que garantiu a privatização criminosa
da Companhia Vale do Rio Doce, Eletropaulo e Telebrás, por exemplo, assumiu
como propósito principal “reordenar a posição estratégica do Estado na
economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas
pelo setor público”. Depois de ficar por 13 anos sem uso, durante os governos
do PT, ela foi reencarnada no novo corpo: o Programa de Parcerias de
Investimentos (PPI).
Significa,
na prática, que poderão ser objeto de desestatização todas as empresas,
inclusive instituições financeiras – controladas direta ou indiretamente pela
União e as estaduais –, serviços públicos objetos de concessão, permissão ou
autorização. Ou seja, deverão ser privatizadas prioritariamente aquelas já
cobiçadas pelos investidores, nacionais e internacionais: Petrobrás, Caixa
Econômica, Eletrobrás…
Para
que este projeto neoliberal ressuscitado das trevas seja viabilizado, a MP
estabelece que as medidas de desestatização a ser implementadas serão
autoritariamente definidas por Decreto e passarão a desfrutar a condição de
“prioridade nacional”, tratada como tal por todos os agentes públicos de
execução ou de controle. Em outras palavras, se bradamos outrora, e com razão,
contra a elevação de algumas obras do Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC) à condição de empreendimentos de interesse nacional (acima do interesse
público) seremos agora, massacrados, por um novo e mais potente status
jurídico, a prioridade nacional.
A
execução dos projetos de desestatização ficará a cargo de uma nova
institucionalidade comandada pela “inteligência golpista”: o Conselho do
Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República, um órgão de
assessoramento imediato ao Chefe do Poder Executivo que passa a incorporar as
atribuições do Conselho Nacional de Desestatização criado pela mesma Lei N°
9.491, de 1997, que esteve à frente das privatizações de FHC.
O
Conselho – composto pelos ministros da Casa Civil, Fazenda, Planejamento,
Portos e Aviação Civil, Meio Ambiente e BNDES – será presidido por Moreira
Franco, conhecido por apelidos como “camaleão” e “anjo mau”. Sua fama vinculada
a licitações viciadas é tão notória quanto seus apelidos. No governo do Rio
enfrentou acusações repetidas de desvios e concorrências fraudulentas.
2)
Transforma-se a infraestrutura, em todos os níveis federativos, na nova
fronteira de acumulação e lucratividade para investidores nacionais e
estrangeiros.
Não
se pode dizer que esta parte do projeto golpista seja realmente nova. A
identificação da infraestrutura como gargalo e ao mesmo tempo oportunidade de
lucro é bem antiga no Brasil, e uma realidade governo após governo. A novidade
nesse caso é a disposição muito mais firme de colocar esta fronteira, inclusive
nos planos estadual e municipal, acima de tudo e todos e sob comando central.
Isto
significa na prática, garantir o terceiro ponto da MP.
3)
Eliminam-se os obstáculos (sociais, ambientais, culturais, trabalhistas) que
possam postergar ou afetar a rentabilidade esperada pelos investidores
privados.
As
estratégias estão umbilicalmente amarradas na MP. Sob o comando central da
“inteligência do golpe”, todos os órgãos – em todos os níveis federativos –
terão o “dever de atuar, em conjunto e com eficiência, para que sejam
concluídos, de forma uniforme, econômica e em prazo compatível com o caráter
prioritário nacional do empreendimento, todos os processos e atos
administrativos necessários à sua estruturação, liberação e execução”.
O
conceito de liberação é claro na MP: “a obtenção de quaisquer licenças,
autorizações, registros, permissões, direitos de uso ou exploração, regimes
especiais, e títulos equivalentes, de natureza regulatória, ambiental,
indígena, urbanística, de trânsito, patrimonial pública, hídrica, de proteção
do patrimônio cultural, aduaneira, minerária, tributária, e quaisquer outras,
necessárias à implantação e à operação do empreendimento.
Trocando
em miúdos, Ibama, ICMBio, Funai, Fundação Cultura Palmares, IPHAN que hoje
participam do licenciamento trifásico (Licença Prévia, Licença de Instalação,
Licença de Operação) e atuam com seus muitos limites e debilidades para evitar
que empreendimentos passem por cima das leis de proteção do meio ambiente, de
indígenas e outros povos e comunidades tradicionais, serão convocados pelo
“poder central” para cumprir com seu dever de emitir as licenças necessárias
aos empreendimentos que o Conselho definir como prioritários.
É
importante lembrar que, no Legislativo, o movimento de flexibilização da
legislação ambiental e em específico do licenciamento está em estágio avançado
de tramitação. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 65/2012 acaba de vez
com o licenciamento. O Projeto de Lei (PL) 3729 acaba com grande parte do
sistema de licenciamento ambiental. O Projeto de Lei do Senando (PLS) 654/2015,
de autoria do Senador e agora ministro do Planejamento Romero Jucá, define um
prazo curtíssimo para o licenciamento de grandes obras consideradas
estratégicas pelo governo, como grandes hidrelétricas e estradas e também prevê
que em caso de descumprimento dos prazos as licenças estarão automaticamente
aprovadas.
Se
convertida em lei, a MP 727 tornará dispensável a própria a aprovação do
Projeto de Jucá. Mais um golpe dentro do golpe!
4)
Constrói-se, no interior do BNDES, um braço privado. Terá por finalidade
estruturar os projetos do Programa de Parcerias e Investimentos (PPI), para que
possam, depois, serem financiados pela parte do banco que ainda convém que seja
público, posto que lhe oferece crédito subsidiado.
Contrariando
a ideia de que o BNDES seria mais um banco no alvo da privatização, o núcleo
duro do golpe lhe reservou um renovado e estratégico papel: garantir as
condições financeiras e técnicas para a estruturação dos projetos de
infraestrutura a ser assumidos pela iniciativa privada. O BNDES passa a ter
agora a atribuição de criar e gerir o Fundo de Apoio à Estruturação de
Parcerias (público-privadas), que possui natureza privada e patrimônio próprio.
Suas duas principais fontes de recursos serão: a) os recursos aplicados por
pessoas físicas ou jurídicas, de direito público e privado, inclusive de
organismos internacionais que, obviamente, se interessam na construção dos
projetos de parcerias; b) os recursos recebidos pela alienação de bens e
direitos (privatizações?).
Os
projetos robustecidos e validados pela capacidade técnica e financeira
conferidas pelo braço privado do BNDES estão, assim, prontos para serem
licitados. A MP não deixou escapar, ainda, a clara orientação para que todo
esse processo seja feito sem transparência nenhuma já que prevê que o estatuto
do Fundo “deverá prever medidas que assegurem a segurança da informação”.
Em
síntese, no caso do BNDES, todo o esforço de transparência e o ainda tímido
compromisso de construção de uma “Política Socioambiental” caíram por terra.
Esse
é o projeto político ideológico que já se anunciava na Agenda Brasil, na Ponte
para o Futuro, e que agora se consolida com o golpe como a Ponte para o
Passado: sem licenciamento, sem política socioambiental, sem travas e amarras,
sem estado democrático de direito, sem voto popular e sem vergonha.
Leia
a íntegra da MP 727: http://bit.ly/1OnZXKO
Outras
Palavras[http://outraspalavras.net/]: 21/05/2016.
_________
Alessandra
Cardoso. Economista,. Mestre em desenvolvimento econômico. É assessora política
do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).
Fonte:
rogeriocerqueiraleite
0 Comentários
Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião do BVO - Blog Verdades Ocultas. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie. Leia os termos de uso do Blog Verdades Ocultas para saber o que é impróprio ou ilegal.